quinta-feira, 31 de maio de 2012

virgem aos 40




Quando eu fiz 5 anos, minha madrinha me deu um relógio de criança com o Dunga da Branca de Neve marcando as horas com os braços. Eu achava o máximo ser criança e ter um relógio que marcava hora de verdade que nem de adulto.

Minha mãe não me deixou usar, porque eu podia quebrá-lo e porque, obviamente, eu não sabia ver as horas naquela idade.

Ele ficou guardado na gaveta de coisas importantes do meu pai por anos, sempre que eu precisava mexer lá por algum motivo e o encontrava, começava o ritual de tirá-lo da caixinha, cheirá-lo, colocá-lo no pulso, e tratá-lo com maior carinho e respeito, afinal era o meu relógio "de verdade" que minha madrinha me deu. 

E foi por causa desse cuidado todo, que naquela idade eu decidi só usá-lo quando tivesse 15 anos que, na cabecinha inocente de quem tem 5, já é um adulto que além de saber ver as horas, já podia usar o relógio sem risco de quebrá-lo.

Quando me dei conta, já tinha os 15 anos e usar aquele reloginho de criança estava fora de questão, acho que nem fechava mais no meu pulso.

Hoje me lembrei dele. 

Se ele ainda existir, acho que vou guarda-lo na minha própria gaveta de coisas importantes, pra quando me reencontrar com ele por acaso, recomeçar o antigo ritual de quando eu era criança, porque hoje eu acho o máximo ser adulto e ter um relógio de criança que marca hora de verdade, que nem de adulto.

terça-feira, 29 de maio de 2012

impossível interromper






Indo para o dentista, por volta das 16:30h, vi um casal se beijando na calçada da movimentada av. Rio Branco, em meio ao caos do centro da cidade naquele horário. Se beijavam tão bonito que desconfiei que pudesse ser uma pegadinha.

Cena digna de novela ou final de filme romântico: casal abraçado, num beijo longo e apaixonado, com os carros passando desfocados no fundo e as pessoas lançando olhares meio indiscretos sobre eles.

Enquanto me distanciava, fiquei pensando que um beijo daquele, com tamanha determinação, não era um cumprimento entre casais, mas dado apenas em momentos especialíssimos, casos de vida ou morte.

Se não fosse pegadinha, talvez seria uma reconciliação de alguma merda que ela fez, e ele passando por cima do seu machismo e orgulho, resolveu perdoá-la naquela hora. Não acho que pudesse ser o contrário, ele ter feito uma merda e ela perdoado, porque elas nunca perdoam completamente, e em vez de beijo apaixonado, eu veria no centro da cidade uma cara fechada, braços cruzados e um severo "que isso não se repita de novo".

Poderia ser também, um pedido de casamento em que ela ficou feliz por ter recebido e ele porque ela aceitou - mas as 16:30h na Rio Branco?? Não que seja impossível, mas muito improvável.

Mais provável que fossem amantes e estavam terminando o relacionamento porque já estavam colocando sentimento demais numa relação que não teria muito futuro. Ou porque estavam dando futuro para a relação que foi promovida a "casamento", num ato corajoso de largarem seus respectivos cônjuges.

Quem sabe ainda, reviviam a paixão inesquecível de outros tempos que, não sei por que cargas dágua, o mesmo destino que os afastou por anos, naquele momento os aproximava mais uma vez.

Pensando nessas possibilidades, cheguei no prédio do meu dentista. Antes de entrar, porém, dei um última olhada para trás e eles ainda se beijavam, num grude que faria muita gente chamar de "pouca vergonha".

Talvez eu tenha acertado o motivo do beijão com uma das minhas suposições, entretanto, certeza mesmo eu só teria se perguntasse direto pra eles.

Mas era impossível interromper aquela "pouca vergonha".




sexta-feira, 18 de maio de 2012

o fim do mundo







Estava pensando no fim do mundo que já tem até data marcada, se não me engano é dia 21/12/2012.

Por mais que se acredite ser outro alarme falso, fica sempre uma expectativa no ar, como aguardar o resultado do exame para aids, mesmo você não sendo do grupo de risco.

 Mas vai que o mundo acaba mesmo. Ainda que seja trágico, é melhor morrer todo mundo junto, do que sozinho ou com meia dúzia de gatos pingados.

Pior sobreviver num mundo semi-destruído. Já estamos acostumados a viver sem saúde, saneamento básico, transporte, alimentação, educação... mas ficar sem internet, televisão, geladeira, ar condicionado, água na descarga... não há sobrevivente que sobreviva.

Se fosse certo do mundo acabar no tal dia marcado, acabariam antes as barreiras que impedem as pessoas de serem ou fazerem o que realmente querem.

Assim, muitas verdades inesperadas seriam ditas, armários inrustidores seriam destroçados, muitos patrões entrariam na porrada, muitos ex-amores ressuscitariam, muitos perdões concedidos e outros retirados, dietas quebradas, religiosos se entregariam ao pecado, pecadores se entregariam às religiões, gente pelada correndo pela rua, amores platônicos revelados, cornos nascendo a cada segundo, promessas não cumpridas teriam seu esperado cumprimento, políticos seriam brutalmente assassinados, sogras também entrariam na porrada...

E no momento em que a onda gigante que vai engolir o Cristo Redentor chegasse, ou o chão abrisse fendas infinitas que engolisse a todos, ou o meteoro se chocasse contra a Terra, ou larvas incandescentes fossem expelidas dos bueiros, ou três godzillas aparecessem, ou o raio que nos parta nos partisse... todos estariam satisfeitos, cantando: "Pode vir quente que eu estou fervendo. Pode vir quente que eu estou fervendo."



quarta-feira, 2 de maio de 2012

a primeira pessoa do mundo







_Papai, quem foi a  primeira pessoa que existiu no mundo?

Pensando numa resposta que satisfizesse uma criança de 6 anos, respondi:

_Foi Adão que Deus fez do barro, que depois deu vida e uma namorada chamada Eva.


_Eva??? que nome feio... nesse tempo já tinha dinossauro?


Antes que eu tentasse responder essa confusa questão, ela me vem com mais esta:


_A tia na escola falou que os homens das cavernas foram as primeiras pessoas do mundo. Foram eles ou foi  Adão? - na cabecinha dela, essa resposta deve ser conhecida por todos os adultos e simples, tipo: "foi fulano."


Procurando uma resposta, lembrei de uma aula de Filosofia, em que o professor dizia que crianças querem só respostas, independente de fazer sentido ou não.


Podia usar essa estratégia e acabar ali o assunto falando que Adão era um homem das cavernas criado por Deus, amigo dos dinossauros e inimigo da serpente, que de vez em quando acertava Eva na cabeça com uma sarrafo e a arrastava pelos cabelos como prova de amor.


Apesar de não ser a verdade, evitaria outras explicações, pois se eu dissesse que foi Adão, fatalmente teria que explicar onde foram parar os homens das cavernas, e se eu dissesse que foram os cavernosos, teria que explicar por que não foi Adão, já que ele foi feito por Deus.


Porém, minha índole não é mentir. Mas dizer pra ela que acredito e desacredito nas duas teorias não mataria sua curiosidade...O correto a fazer era dizer que não sabia, principalmente porque eu não sei mesmo. Mas preferi responder sem responder:


_ Tem gente que acredita que foram os homens das cavernas e outros acreditam que foi Adão.


_ Mas quem foi?


O impasse agora era meu, que me senti pressionado por Deus, como se ele estivesse também querendo saber de que lado eu estava, já que uma teoria anula a outra.


Fica difícil sustentar a história de Adão, com tantas evidências da pré-história nos museus, nas escolas e até nos desenhos que ela assiste com dinossauros em todo lugar. Por outro lado, não posso simplesmente, dizer que Deus não existe, pois perderia o sentido o "Dorme com Deus e sonha com os anjinhos", "Papai do Céu está vendo",  "Vai com Deus" 
e tantas outras frases que envolvem Deus, além de ter que explicar onde as pessoas boas vão morar depois que morrem se não tiver mais Céu. 

Tirar isso dela, mataria a magia, o encanto, e deixaria a vida bem sem graça. Seria como dizer que Papai Noel não existe.

Por fim, pra ficar bem com Deus, com a ciência, minha consciência e minha minha filha, respondi que não sabia quem foi a primeira pessoa do mundo e que ninguém sabe. Aí ela me respondeu que Papai do Céu deve saber.


_ Com certeza.


Pronto, respondido.