terça-feira, 22 de novembro de 2011

minha filha fica invisível de vez em quando

Coisas muito estranhas acontecem aqui em casa de vez em quando.

Normalmente quando estamos todos reunidos na sala, minha filha desaparece completamente depois que seu irmão - 10 anos mais velho - coloca uma toalha sobre ela, fala umas palavras mágicas e ao retirar... puf! ela some.

Quando isso acontece, eu fico procurando por ela pelos cômodos da casa, chamando o seu nome e revirando os seus possíveis esconderijos, em vão. Já sua mãe não consegue vê-la em sua frente acenando, rindo, dançando e gritando "Mamãe eu estou aqui na sua frente!".

Só quem consegue vê-la claramente é o cachorro e o irmão mágico. Nós, os pais, não temos essa capacidade e ficamos preocupados perguntando: "Cadê ela?" "Onde ela foi parar?" "O que você fez com ela?"

Misteriosamente, nessas horas, sentimos como se alguém tocasse em nossos braços, ombros, ou puxasse nosso rosto para uma certa direção como se fosse alguém chamando a nossa atenção, mas não vemos ninguém. Parece que tem também um mosquitinho sussurrando: "Eu estou bem aqui, não estão me vendo?" e risse descontroladamente.

Esquisito, também, fica seu irmão que começa a falar sozinho, como se desse ordens para alguém não mudar de canal, não pular no sofá, largar o cabelo da mãe, não empurrar ninguém e não desarrumar nada.

Coisas como canecas e outros objetos flutuam pelo ar como se estivessem sendo carregadas por alguém, o cachorro fica meio louco também, brincando animadamente com o nada... e inexplicavelmente, apesar de todos esses assustadores fenômenos, nós não conseguimos parar de rir.



terça-feira, 15 de novembro de 2011

crime inafiançável



Certa vez ouvi o relato emocionado de um primo que teve uma experiência desconcertante com seu filho, que na época devia ter cinco anos ou menos.

Mas o que me chamou mais a atenção foi a simplicidade realista do argumento que o então menino, usou para mostrar o seu ponto de vista.

A feira livre de sábado no bairro onde eles moram, vendia naquela época - não sei se ainda vende - pintinhos e a avó do meu priminho comprou dois para presentear o neto. Um amarelinho e o outro pretinho.

Levados pra casa, as avezinhas se adaptaram logo ao espaço do quintal, ao gato e ao cachorro que a minha tia também criava por lá e só entravam em casa para dormir na sua caixinha de papelão quentinha..

Meu priminho achava o máximo aqueles bichinhos fofinhos que não paravam de piar e que viviam sempre carregados pelas mãozinhas do seu dono para cima e para baixo.

Porém, ambos não eram muito bem-vindos pelos outros moradores daquela casa, que sempre lembravam ao menino que não queriam pintos dentro de casa se não fosse para dormir, que eles cagavam onde não devia, que piavam o tempo inteiro, que eram nojentos e etc.

Até que um dia, o pintinho preto, não sei por que cargas d'água, resolveu se aventurar dentro de casa e como era minúsculo, o pai do meu priminho, não o viu e, acidentalmente, pisou no pobre animal, terminando por matá-lo.

Daí segue o diálogo cômico-dramático, que apesar de não ter presenciado, nunca mais esqueci:

_ Pai, o que você fez?
_ Foi sem querer, filho. Eu estava saindo do banheiro, ele estava no caminho e eu não vi...
_ Você matou o Pretinho!!!
_ Mas foi sem querer...
_ Mentira! Você nunca gostou dele...
_Que isso, filho? Eu não matei porque eu quis, foi sem querer.
_ Você matou ele porque ele era preto! -  já fazendo beicinho.
_ De onde você tirou essa idéia?
_ Ele não tinha culpa de ter nascido preto, coitadinho... - dizia entre soluços.
_ Eu compro outro pintinho preto para você depois.
_ Ele gostava de ser preto...
_ Mas eu não vi, juro...
_ Eu gostava dele...

O menino ficou inconsolável.

Nessa altura, a mãe e a avó tentaram explicar que o pai não teve culpa, que foi uma fatalidade...
E o que começou engraçado, acabou comovendo a todos com a revolta, tristeza e inconformidade do menino.

Para o ele, na sua cabecinha de criança, isso já era um crime inafiançável.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

puta que pariu nós todos


Outro dia, numa dessas madrugadas sem sono em que costumo ligar televisão e assistir tudo que todos os canais oferecem (documentários, jornais, filmes já começados, desenhos, sacanagens, séries, clipes... qualquer coisa que me traga o sono, mas que quase sempre o espanta de vez), fui surpreendido por um som que me fez baixar o volume da tv.

Era um gemidinho feminino ritmado, que ora era alto e estridente, ora era lento e sensual e ora era quase um sussurro que ficava cada vez mais baixo até cessar completamente. "Hi, tem alguém feliz por aí!" - pensei, e voltei para a minha peregrinação de canal em canal.  Só que não ficou só nisso, de tempos em tempos, a gemeção recomeçava, eu baixava o volume e depois tudo acabava.

Já pela 10ª vez, já comecei a me sentir depressivo, pensando em marcar uma consulta sigilosa no Boston Medical Group porque eu tinha certeza que tinha alguma coisa errada comigo.

Depois de outros irritantes "ai, ai, ai", não estava mais suportando aquela situação e fui até a cozinha pra tentar me distrair, sei lá... eu precisava esquecer aquele som infernal que me jogava na cara o merda de homem que sou, que não consegue dar 12 ou 14 numa única noite, no meio da semana.

Como estava atormentado, humilhado e com minha autoestima no abissal do planeta, corri deseperado para o banheiro para niguém ouvir meus soluços de dor, quando, de repente, o gemidinho voltou.

Tapei os ouvidos com toda força, mas percebi que não parava e ficava mais claro, mais alto e se parecia mais com um miado de gato... intrigado, retirei minhas mãos dos ouvidos e confirmei: era mesmo um miado de gato, mais precisamente da gata da vizinha do apartamento debaixo.

Ufa!
Puta que pariu nós todos!


é isso que o sono faz

Quando eu era criança eu lia muito as crônicas "Para Gostar de Ler" que reuniam algumas de cinco ou seis  renomados escritores.
Li uma vez uma que falava de uma piada (acho que era piada) que o autor contava para alguém que de tão boa, acabava se espalhando que nem fogo no capim seco. Acabou rodando entre as mais variadas pessoas, de diferentes classes sociais, idades, profissões, regiões... a piada ia do convento aos prostíbulos. Quando por fim, alguém contou de volta para o próprio autor, lhe perguntaram entre sorrisos quem a teria inventado e ele respondeu que também não sabia.

Quando li isso a primeira vez, pensei se fosse eu o autor da piada eu teria dito que fui eu quem a inventou, que era minha, que eu merecia todo o mérito por ela.

Assumo que ainda penso assim, não alcancei esse grau de desprendimento das coisas. Ainda associo meu valor ao que o outro pode atribuir. Pelo menos já identifico.

Mas o que é interessante nisso é o dominio público que passa a ser dono de tudo que não tem dono e que pouco importa saber se tem, porque o objeto nesse domínio fica livre como o vento, como um vira-lata de rua, com vida própria, que se alimenta, que cresce, que se expande como uma epidemia, como um único organismo e que numa hora também, pára de circular.

Parece que todos estão mocumunados para dar vida ao que nem sempre é vivo ou tem corpo, para concorrer com o que tem e que é privado.

Somos todos cúmplices.

Chega, vou dormir.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

um dia atrás do outro.

Nada como um dia atrás do outro.

Hoje achei horrível um rascunho que outro dia achei perfeito.

E me pergunto o que me deu naquele dia pra achar legal o que hoje acho uma bosta. O que eu tenho de diferente hoje daquele dia? Fiquei mais inteligente, mais burro, menos humorado, ou mais crítico, o quê?

E mais grave: se eu mudo de opinião a respeito de um rascunho, isso é possível também a respeito de outras coisas em mim, na minha vida, ao meu redor.

Apesar dessa observação vir hoje à tona, isso não me surpreende porque sempre convivi com isso sem sacar. É o que me faz optar por esta e não aquela camisa, comida, pessoa, programa, sentimento, assunto... por mais que eu goste de azul, dependendo de uma série de coisas, posso preferir outra cor, como também posso voltar a preferir azul num outro dia.

Esse é o grande barato que move o mundo: a diferença de um se relacionando com a do outro, afetendo um outro, que por sua vez, influencia outros... e assim por diante.

Parece ruim, mas pior seria se fôssemos todos previsíveis, fiéis à nossa "programação" de fábrica e sem possibilidade de fazer diferente.

Por isso, pra não perder esse texto que hoje estou curtindo, vou postá-lo, antes que amanhã eu o ache uma bosta também.

O que importa é o dia de hoje.