terça-feira, 31 de janeiro de 2012

condenado pela evolução



Pra que que serve o dente siso, senão para levar dor e sofrimento a quem o tem?

É um dente que levanta desconfiança por nascer muito depois do tempo, acabando com a paz da boca que já está lotada com seus 28 residentes, e ele ainda traz consigo até três comparsas, na maioria das vezes.

Os outros dentes, sem alternativa, se apertam para caber os encrenqueiros, facilitando a criação de cáries entre eles, fora os problemas que ele pode trazer antes mesmo de nascer, lembrando o filme de terror "O Bebê de Rosemary".

Como alguém suspeito, ele se esconde nas trevas,  no fundo da boca, exigindo que a mesma se abra num ângulo próximo dos 90° para caber as duas mãos quase que inteiramente, para poder limpá-lo com fio dental.

Um dente sinistro como esse, só pode ter prazer em infringir dor, e faz isso como ninguém, desde seu nascimento até sua extração, principalmente,  e no intervalo entre uma coisa e outra, quando resolve doer.

Condenado pela evolução, onde sua origem na pré-história fazia sentido para o homem das cavernas que precisava de reforço na dentição para a sua dieta de carne crua, ele insiste em nascer por pura maldade, já que o homem moderno não precisa mais fazer tanta força para mastigar.

Com isso, concluo que, apesar das dores dilacerantes, inchaços, dietas escrotas, compressas de gelo, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, oriundos da extração desse maldito, estou passando por toda essa tortura desnecessariamente, por culpa da incompetente evolução que não me incluiu nos seus planos.

E eu nem sou tão carnívoro assim.








domingo, 22 de janeiro de 2012

de boa intenção o porteiro está cheio





O que seria da vida dos moradores dos prédios sem os bem intencionados e dedicados porteiros. 

Homens simples, que na maioria das vezes sabem tudo de esportes, cultura, política, religião, metereologia, história geral, do Brasil, do bairro, da rua e do morador. Alguns sabem apenas o último assunto.

Mas longe de ser uma coisa negativa, a dedicação ao morador é um zelo louvável.

O porteiro do meu prédio, um coroa gente boa que tem seu próprio dialeto, é um bom exemplo de ser humano cheio daquelas boas intenções do ditado.

Para provar que é homem dedicado, que não está desperdiçando o dinheiro do morador, ele acorda 5 horas da manhã diariamente, batendo portas, deixando coisas barulhentas caírem e arrastando os passos por onde quer que vá.

Trazendo um pouco de cultura e fé aos moradores, ele assovia sempre que pode  "Asa Branca", exceto quando está ouvindo no último volume um radinho numa estação evangélica.

Ele pensa na segurança do prédio quando abre a porta do elevador pra ver quem está dentro, mesmo sabendo que o elevador leva quase um século para fechar a porta de novo, isso quando não cisma de conversar com quem está dentro, mostrando assim a sua simpatia.

Zelando pela minha imagem e reputação, me conta, sem eu perguntar, quem entrou ou saiu da minha casa na minha ausência, desde a minha sogra até entregadores do petshop, supermercados, locadoras de vídeos... inclusive a hora.

Quando quer saber pra onde eu vou quando estou saindo, ou de onde estou vindo, faz por preocupação quase materna, afinal, o mundo anda muito violento...

Sua solidariedade comove a todos, exceto a síndica que mandou arrancar os pés de feijão que ele plantou no jardim, entendendo que alimentação é mais importante do que a inutilidade do paisagismo. 

Seguindo à risca a máxima "pra que deixar para depois o que se pode fazer agora", ele acorda a gente pela manhã tocando a campainha impacientemente para entregar correspondências que podem ser entregues a qualquer hora do dia.

Com tantas tarefas para um ser humano fazer durante o dia, fica fácil entender os recados deturpados que ele dá, como o dia que ele garantiu que não faltaria água, contrariando uma semana de avisos colados nas paredes do prédio, e que terminou por minha mulher e filha ficarem cheias de espuma na cabeça dentro do box e sem água para se enxaguarem no banho.

Reparei que, apesar do grande coração que ele possui, ninguém o cumprimentava com aperto de mão e passei a fazer isso. 

Porém, o gesto ficou banal depois de se repetir sempre que nos víamos, às vezes com pequenos intervalos de ir e voltar na padaria ou coisa parecida. Entretanto, não foi por isso que o cumprimento se extinguiu, mas depois de ocorrer imediatamente depois de limpar o suor da testa ou assoar o nariz.

Apesar de tudo, se ele fosse o porteiro perfeito - se é que existe - sentiria falta das suas trapalhadas, o prédio seria mais triste e eu não teria ninguém pra dizer quem esteve na minha casa na minha ausência.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

todo mundo é um pouco maluco




Ontem entrei no prédio com minha filha e mais uma vez apostamos corrida da porta até o elevador, pisando apenas nos quadrados pretos do piso xadrez da portaria.

Essa brincadeira se repete, praticamente, desde quando ela aprendeu a correr, e sempre que está de bom humor.

Parece mania de criança, mas já me flagrei só pisando nos pisos pretos ou só nos claros da portaria, ou usando degrau sim, degrau não da escada, prendendo a respiração no elevador até chegar no meu andar, ou me equilibrando nos canteiros estreitos que cercam algumas árvores nas calçadas...

Algumas dessas manias são até úteis, como apostar corrida com as pessoas na rua quando estou com pressa, acaba diminuindo o atraso.

Isso, claro, sem elas saberem.

Do contrário, vira uma guerra de nervos, como ocorreu no dia em que ultrapassei um pirralho com uniforme de escola, que não satisfeito, tomou a frente novamente. Eu como adulto, apelei para minha condição e mostrei para ele o que uma perna maior é capaz de fazer, e o deixei pra trás novamente.

Mas subestimei a obstinação infantil que fez o moleque me alcançar e sorrir desafiadoramente, como quem diz "eu que vou ganhar".  E ganhou, mas só porque eu me deixei vencer pela vergonha de me imaginar correndo pela rua com um garoto no meu encalço, aquela peste.

Quando eu me dava conta que fazia essas coisas, me passava pela cabeça que eu tinha algum transtorno, já que eu não era mais criança para justificar essas doidices - como diria a minha avó.

Até que um dia, aconteceu o que eu mais temia:  eu caminhava de olhos fechados da minha porta
até o elevador no corredor do meu andar, e um vizinho ninja apareceu sem fazer barulho, me surpreendendo com a pergunta "Tá tudo bem?"

Hiper-mega-super (usando o palavreado da minha filha) sem graça, tentei disfarçar o indisfarçável, dizendo que... nem lembro o que eu disse..

Compadecido com o meu constrangimento, meu vizinho interrompeu minha tentativa de explicar aquele sei lá o quê, me dizendo que ele uma vez foi surpreendido pela mulher quando também andava de olhos fechados.

Foi aí que eu vi que todo mundo é um pouco maluco.

Com o tempo ouvi pessoas que confessaram que também não pisavam nas pedras portuguesas pretas do calçadão de Copacabana, ou evitavam a todo custo as linhas que separam um piso de outro, outros esmagavam folhas secas sempre que podiam, que se apoderavam de irresistíveis gravetos das ruas ou na mão de outros maníacos,  gente que conta  degraus quando sobe escada,  que a cada passo, vai separando sílabas de palavras, que marcam o ritmo de alguma música batendo os dentes ... são tantas que me sinto até normal com as minhas. Tem até gente que chupa roda molhada no varal.

Além do plástico bolha, que eu nem preciso falar.

Acho que essas pequenas manias não chegam a ser um transtorno obsessivo-compulsivo, mas a criança dentro da gente dando sinal de vida e querendo brincar.

E, sinceramente, a falta de explicação para essas manias é só mais uma coisa sem explicação nesse mundo inexplicável.

O que importa mesmo é satisfazê-las, para ter a deliciosa sensação "eu consegui", que aquele pirralho que eu deixei ganhar a corrida teve no meu lugar, aquele viadinho.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

facebook do inferno



Depois de uma resistência típica dos idosos turrões às maravilhas tecnológicas do mundo novo, fui obrigado a me render ao Facebook.

Ainda torço o nariz para isso, mas fiz por amor a este blog que me dá tanta alegria sem reconhecimento (nem comentários os ingratos leitores postam). Tudo porque me disseram que o Face - para os íntimos - é ideal para divulgar esse tipo de coisa... enfim, tamos aí.

Confesso que estou assustado, muito assustado: logo depois que eu fiz minha conta e fui "aceito" pela minha mulher, milhões de pessoas saltaram com seus sorrisos, corpos sarados, cônjuges e famílias felizes, filhos, cachorros, paisagens... um mundo de esquisitices diante de mim me convidando: "venha, junte-se a nós e seja feliz para sempre."

Pensei em voltar atrás, mas já era tarde, já tinha sido aceito e convidado por outras pessoas, ficando preso a uma interminável teia de amigos dos amigos dos amigos dos amigos que saltavam à minha tela com seus sorrisos simpáticos e se multiplicando à medida que eu piscava ou respirava.

Como se não bastasse essa epidemia, ainda tinha as tais sugestões de amizades com todo o planeta.

Me senti como se estivesse chegando num animado churrasco com conhecidos no bar, na piscina, na entrada, na escada, no meio do caminho, no banheiro, na churrasqueira, conversando em meio ao som alto, sobre política, novela, trabalho, religião, lembranças, futebol, fazendo fofoca, piada, rindo, chorando, brigando, paqueirando, em grupos, separados... como seu eu fosse o último chato  capturado pelo mundo dos sorrisos eternos e com um policial expondo a minha cara para os fotógrafos.

Então, começaram os conflitos: Será que estou ferindo alguma etiqueta ou regra se eu optar por "agora não" em vez de "confirmar" as solicitações de amizades? Seria de bom tom fazer isso? Eu ficaria antipático diante dessa multidão de simpáticos? Vão colocar meu nome na macumba, ou me ameaçar ou arranhar meu carro se eu não aceitar alguém? Tenho medo dos psicopatas carentes que não sabem lidar com rejeição.

E o que fazer com as pessoas que eu só cumprimento, que já perdi contato, que morreram... tenho que tê-las eternamente como amigos pra quê?

Pior do que isso é decidir pela foto do perfil: já pensei em colocar a minha família feliz, eu e minha amada felizes, eu feliz sozinho, fotos de paisagens, fotos antigas, meu cachorro, meu aquário...

Procurando a foto perfeita, venho fazendo trocas de 10 em 10 minutos. Por enquanto está durando eu com a minha filha, mas quando você ler isso pode ser que já tenha mudado também.

Já me contaminei com a esquizofrenia de mostrar como também sou bonito e feliz, porém, por mais que a foto mostre isso, depois que eu a coloco no perfil ela mostra o contrário. Merda! Mas eu vou encontrar, eu sei que vou...

E isso porque estou enfaceado há menos de uma semana,  é só o começo.

Obsessões à parte, acho que vai ser isso daqui para frente: relações se formando, se estreitando e terminando sem, nem ao menos, as pessoas se tocarem.

Ah! Descobri ontem que o Face, pode ser também fb.

Apesar do velhinho em mim criticar, acredite, eu estou