domingo, 5 de novembro de 2017

peitões pretos


Resultado de imagem para fruta que lembra seios negros



Nunca vi rastro de cobra, nem couro de lobisomem, mas hoje vi uma mariposa enorme investir contra um besouro ou outro inseto parecido, em pleno voo, sob a luz fraca dos poucos postes que há onde eu costumo pedalar antes do sol nascer. Meus amigos que estavam comigo não repararam.

Também ninguém reparou no gavião que outro dia passou em plena tarde do centro urbano onde moro com uma presa considerável não lembro se no bico ou nas garras.

Ninguém percebe também, que da minha janela dá pra ver quando começa a anoitecer, uma comunidade de mais de 20 morceguinhos sair detrás de dois canos que descem da calha do prédio vizinho ao meu e ganhar o mundo.

Assim como também nunca observaram o beija-flor que mora em algum lugar do playground do outro prédio vizinho e que está em guerra com as rolinhas que se aproximam do "seu" muro e são afugentadas prontamente.

Será que ninguém notou que a cidade foi invadida por pequenos papagaios selvagens em regiões que não são comuns, que nunca se viu tantas lavadeiras mascaradas, que desapareceram os pardais,  cães pequineses e os dálmatas?

Não acredito que sou o único maluco que fica olhando pro céu observando o drama das fragatas que perseguem umas às outras e às vezes, covardemente mais de uma atrás de outra pobre coitada.

Tem tanta ação acontecendo embaixo (ou em cima) dos nossos narizes afros, que só precisamos olhar pra ver.

Onde menos se espera, podem-se ter cenas curiosas que os olhos humanos talvez não verão duas vezes, como uma ratazana que vi descendo um muro de 20m pela quina e de cabeça pra baixo. 

Desse dia em diante meu conceito sobre esse animal mudou, pois eu vi uma demonstração de coragem, força, equilíbrio e velocidade, que nunca vi em outro animal. E ele fazia sem qualquer equipamento de segurança, sem  intenção de se exibir, ou esperando dinheiro como recompensa e ainda com um rabo pesado para atrapalhar.

Nessas horas parece que é aberto um portal para outra dimensão  em que o tempo pára e a cena se revela só para o afortunado que estava na hora certa e no lugar certo. Como um presente para aquele, talvez único, expectador que contará o que viu e poucos imaginarão ou acreditarão.

Mas outros portais menos agradáveis, às vezes, se abrem também e revelam o que não queremos ver, como o topless de uma senhora com problemas mentais, vindo na minha direção na calçada, chocando a todos que passavam na hora errada e no lugar errado com seus peitões pretos e gordos.













sexta-feira, 4 de outubro de 2013

cavala






         Outro dia li uma revistinha publicitária de uma ong que cuidava de animais abandonados, onde os astros eram alguns animais resgatados, que tinham suas fotos e histórias tristes em destaque. A maioria era formada por cachorros e gatos que escaparam da morte por causa do louvável trabalho dessa organização, porém, o que me chamou mais a atenção foi uma égua que foi batizada pela ong de Manca.

          Manca teve uma vida muito difícil, segundo o tal folheto, a pobre trabalhava além da sua capacidade, carregando peso o tempo inteiro, sob chicotadas, esporas, estribos e arreios apertados naquele corpo fedorento. Apesar do seu sofrimento, seu dono resolveu abandoná-la numa praça pública, depois que a azarada égua fora atropelada e ficou manca. Como se não bastasse, ainda dizia no folheto que um grupo de jovens passou a estuprá-la rotineiramente. 

        Longe de querer desrespeitar o sofrimento da égua, eu até continuaria no clima sofrido e infeliz que o panfleto sugeria, se não fosse pela informação (desnecessária) do estupro, que me levou a uma série de dúvidas. Fiquei intrigado tentando imaginar o que despertou nos taradões essa atração por Manca. Teria sido seu traseiro "animal"? ou dificuldade com as mulheres? curiosidade? lembrança de vidas equinas passadas? fetiche? amor? sexo sem compromisso? ...

       Se um único pervertido já é estranho, o que dizer de um grupo com a mesma intenção maluca de praticar essa bestialidade?  Ainda que seja formado por adolescentes, moradores de rua ou viciados em drogas - acredito que seja mais provável o grupo com esse perfil, embora não exclua possibilidade de  políticos, artistas, empresários, leitores de blogs e seus parentes também serem adeptos - é bem bizarro.

        A aberração não estava só no ato em si, mas no fato de Manca ser pobre, analfabeta, moradora de rua, manca e égua como Deus quis que fosse. Mas também, no fato de, contra todas as possibilidades, conseguir mais parceiros humanos do que muitas humanas solteiras e ainda ter mais relações do que muitas casadas.

         Não menos importante é a pergunta: O que prende esses homens a essa pangaré que espanta as moscas com o rabo? O que tem de especial pra se tornar "rotineiramente"? Imagino ser uma fonte de prazer inexplicável que faz com que o parceiro transforme a vergonha de só conseguir transar com a égua, para orgulho de ser digno de conseguir transar com A ÉGUA. 

        Qual será o seu segredo? Quais delícias Manca possui?

       Sofrimento a égua teve mais com seu antigo dono. Com os rapazes, o que se pode chamar de sofrimento, fica por conta da frustração dela por não ter dentre os seus namorados um "cavalo" que não fizesse só cócegas.

        Ah, e como se come uma égua numa praça pública sem ninguém ver?



domingo, 29 de setembro de 2013

coisas infinitas

 



Numa tentativa desesperada de dar vida ao blog, volto "com o rabo entre as pernas" de novo.
Não sei explicar o que aconteceu, se foi a falta de tempo, a falta de ideias, a falta de paz, de vergonha na cara... nada justifica ficar tanto tempo longe.
Li uma vez um post de despedida de um outro blogueiro, que dizia que estava encerrando o blog, porque reconhecia que "não dava mais", que se insistisse, não seria mais a mesma coisa.
Confesso que nessa ausência do blog, fui assombrado por essa ideia de reconhecer que "não dava mais", mas dá sim.
Nesse tempo, o blog nunca saiu da minha cabeça, seja encontrando situações dignas de serem contadas nele, ou lendo livros de linguagem informal como o blog, visitando-o de vez em quando, e até divulgando-o para os amigos e inimigos.
Acabar com algo que saiu da imaginação, pra mim, é como se decretasse que acabou a imaginação, a criatividade, a criança, o palhaço... coisas infinitas.
Por isso, tamos aí.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

leite condensado




     Percebi que a mulher do caixa do supermercado fazia seu trabalho com eficiência só pra me irritar. Faltou apenas a gargalhada do mau que ela deve ter lutado para abafar, enquanto passava as compras o mais rápido que podia.

     Não sei se ela se divertia mais fazendo o visor da máquina registradora, que ficava estrategicamente na minha cara, aumentar o valor progressivamente com o frenesi dos itens passados, ou se com a montanha de compras que a desgraçada formava pra me desafiar a ensacar tudo na mesma velocidade. A essa altura, eu me desesperava dividido em abrir o maldito saco que foi feito pra não abrir e o pensamento positivo para o valor das compras não extrapolar o determinado.

     Sim, ela estava de sacanagem com a minha cara. Isso ficou claro, quando ela percebeu que eu pretendia colocar um saco só com caixinhas, outro só com vidros, outro só com sacos, outro com frios, produtos de limpeza... Eu via na cara dela o prazer de misturar a porra toda só pra me enlouquecer.

     Quando por fim eu começava a me encontrar, ela me desestabilizava maquiavelicamente com a pergunta: "Meu amor, posso empurrar esse montinho pra lá?" Perguntou isso apenas pra eu ver que já tinha outra montanha se formando, enquanto eu ainda lutava para abrir outro saco poluidor do meio ambiente. "Já vou te ajudar, tá, meu bem?!." Mas a intenção dela não era de ajudar ninguém, queria tão somente me mostrar que eu precisava dela, da sua eficiência, da sua agilidade, que sem ela eu nunca sairia dali...

     "Não precisa não, já estou terminando." Respondi  orgulhoso, apesar de não estar nem perto disso, só pra mostrar que eu dispensava a sua extraordinária agilidade. "Vou te ajudar sim, tá, querido,espera só um pouquinho." Com isso, não restou mais dúvidas.

     Ficamos em silêncio, cada qual com sua função, se hostilizando. Eu pensava comigo: "Não vou virar piada de caixa pra ela contar para as amigas na hora do intervalo. Onde será que desliga essa filha da puta?" E ela devia pensar também:: "Coitadinho, todo enrolado..."

     Depois de ler os seus pensamentos, pra não tacar uma lata de leite condensado na cabeça dela, eu resolvi acabar com o joguinho: "Você só pode estar de sacanagem!"

     "Por quê, meu bem? Tô rápida demais pra você? Então vou parar um pouquinho pra te ajudar."

     E ajudou, mas usando a inocente da minha mulher - minha própria mulher - pra fazer coro ao ódio dela por mim, dizendo que homem não tem jeito pra essas coisas, que somos muito moles, que não aguentamos dor, que gememos com o menor resfriado, que não sobreviveríamos à depilação, a parir ou cuidar dos filhos, que na próxima encarnação queria vir homem porque trabalhariam menos...

     Quando estávamos indo embora, nos despedimos, e ela respondeu: "Tchau, linda." - pra ficar claro que não falava comigo.

     Antes se eu tivesse tacado a lata de leite condensado na testa dela.



"

domingo, 7 de abril de 2013

no mínimo, diferente







Passar pela Central do Brasil e ver algum tumulto se imagina logo que se trata de alguma briga, atropelamento, assalto, tiroteio, comício ou um culto evangélico e, às vezes, tudo isso junto ao mesmo tempo. Porém, o que o meu amigo me contou foi, no mínimo, diferente.

O horário eu não me lembro, mas tinha o sol como testemunha, além dos curiosos que formavam um tumulto que crescia cada vez mais. Estranhamente, depois que as pessoas descobriam o motivo do tumulto, a expressão tensa, típica das confusões da Central, dava lugar à descontração.

Foi assim também que meu amigo descreveu que se sentiu, ao invadir o tumulto e observar que era uma briga de casal na qual o homem, visivelmente constrangido e transtornado, tentava calar  a "mulher" à força. A "coitada" de joelhos, descabelada, aos prantos, com os braços abertos evitando se defender da violência do outro, gritava: "Bate, filho da puta, bate nesse corpo que te pertenceu, nesse corpo que você usou, que você satisfez suas nojeiras, bate mais, covarde... "

Quanto mais o homem batia e sacudia pelos cabelos aquela figura com traços masculinos, alta,  magra, negra, de cabelos alisados, vestido como puta, mais alto ela berrava enquanto voltava para sua posição indefesa:: "Bate mais, bate nesse corpo que te deu felicidade, que foi escravo do seu prazer..."

"Cala a boca, desgraçado!" Rosnava em vão, o homem violento.

Infelizmente meu amigo não ficou até o final do drama. Mas provavelmente deve ter tido um desfecho tão inesperado quanto o início, como o travesti usando sua metade homem e surrando seu amor, ou o machão amolecendo e terminando com uma linda cena romântica entre os dois ajoelhados, abraçados e chorando em plena Central do Brasil, afinal lá, o incomum é comum... ou eles sendo assaltados por algum pivete.








sexta-feira, 1 de março de 2013

culpado oculto



Há pouco tempo, fui ao banco conversar com a gerente sobre um problema na minha conta. Estava sendo atendido na sua "sala" com divisórias de vidro escuro que permitiam ver da janela do 5º andar, onde estávamos, os outros prédios lá fora.

Naquele horário da tarde, o implacável sol estava se refletindo enorme e redondo nos prédios à frente e fazendo entender a necessidade do vidro fumê da divisória da "sala" da gerente e na janela do prédio que ainda tinha uma persiana opaca e translúcida, que ajudava a suportar aquela luz inconveniente. 

No entanto, com toda essa proteção, o reflexo do astro rei se refletia forte para quem estava sentado ao lado da janela, como eu e a gerente.

Mais curioso é que aparecia o reflexo de três imagens redondas, brilhantes e formando um triângulo. Talvez um físico pudesse explicar esse fenômeno, mas pra mim, inspirava uma oportunidade de ficar rico e famoso de uma hora pra outra.

Perguntei para gerente se ela já tinha reparado naquele reflexo e ela disse que apenas superficialmente, suficiente para perceber o incômodo que era para quem trabalhava naquela posição.

Então sugeri que poderíamos espalhar que aquelas luzes eram naves extra-terrestres de guerra em formação de ataque, nos espreitando enquanto aguardavam o sinal para lançar seus raios mortais e vaporizar tudo. 

Colocaríamos suas fotos na internet, alertando que os "visitantes" não eram pacíficos, que chupar cabras, abduzir pessoas para experiências bizarras e produzir híbridos com mulheres inseminadas, era só o começo. 

Inventaríamos que sua aparência variava de um branquelo cabeçudo e baixinho, para uns moluscos cheios de tentáculos e até umas vespas gigantes, dependendo da região que foram vistos, de acordo com o relato emocionado e traumático das suas vítimas.

Providenciaríamos uma data para eles acabarem com o mundo e  lançaríamos livros, kits-sobrevivência, armas contra os ets, refúgios subterrâneos, fantasias de carnaval, camisas e bonés, além de uma seita pró-visitante com locais estratégicos para contatos imediatos de terceiro grau.
  
Promoveríamos palestras e debates nas universidades e nas respeitadas emissoras de tv com ufólogos, físicos, astrônomos, religiosos, psicólogos, exotéricos e governo.

Este último sempre carregaria a fama de que já sabia de tudo, mas continuaria omitindo à população para não gerar pânico.

Responsabilizaríamos os ets, pelos terremotos, furacões, tsunamis, deslizamentos, enchentes, secas,  aquecimento global, camada de ozônio, extinção dos dinossauros, fome,  guerras, doenças, calor, frio, inflação, greve... ainda sequestros e assassinatos sem pistas, filhos de adultério, e qualquer coisa que precise de um culpado oculto.

E mesmo se descobrissem a farsa, já seríamos ricos demais pra irmos presos e o mito já caminharia com as próprias pernas.

Entre gargalhadas, a gerente concluiu: "Você deve ser um et."


sábado, 15 de dezembro de 2012

caos




No meu aniversário eu tive a opção de comemorar com um jantar em família ou teatro com parte dela.

Preferi a segunda opção, e preferiria qualquer outra que não precisasse juntar todo mundo na mesma mesa.

Não que eu não goste de alguns, pelo contrário, são pessoas que eu queria por perto sempre, mas separados uns dos outros, porque conhecendo a personalidade e temperamento de cada um deles, já sabia que seria um desastre.

Se vingasse o jantar, seria assim:

Iria com minha família - mulher, filha, filho com namorada e minha cunhada com o marido - num  restaurante chique, caro, com comida gostosa e cheia de frescura.

Antes de nos acomodarmos na mesa, eu iria para o banheiro rezar pra dar tudo certo naquela noite, pra ninguém ser ferido, preso ou morto e aproveitar para fazer minhas necessidades fisiológicas.

No caminho para o banheiro já ouviria o décimo: "Pára, chato! Mamãe, aqui ele mexendo comigo. Manda ele parar!" - diria minha filha irritada com o irmão adolescente, sendo adolescente. 

"Deixa ela em paz! Não está vendo que ela não está gostando?" diria impacientemente a namorada do meu filho, a também adolescente.

"Você não acha que já está bem grandinho pra ficar implicando com uma criança 10 anos mais nova que você?!" - diria minha mulher para o filho.

Este, por sua vez, também ficaria irritado e responderia: "Não posso fazer nada com essa garota, que tudo ela reclama, aí fica todo mundo contra mim. Que droga!"

"Ela estava quieta até você começar." - lembraria a mãe.

"Você que é culpada por essa garota ser fresca assim, você mima demais, por qualquer coisinha ela chora..." - diria o rebelde.

A namorada faria coro à sogra: "Se você brincasse direito, sem irritá-la, ela não reclamaria." 

"Você é outra que também nunca me apóia em nada, tá sempre contra mim. Pra você os outros estão sempre certos..."

"Como é que eu posso te apoiar com você fazendo uma palhaçada dessa? Só se eu fosse outra..."

"Outra o quê? Fala que eu sou retardado logo!" - esbravejaria o menino com o cão.

"Gente, pára com isso! Vocês agora vão discutir por causa de uma besteira dessa?" - diria minha cunhada tentando acalmar os ânimos.

"Eu ia dizer outra criança, mas retardado também serve." - e com a voz embargada, a namorada continuaria: "Não é por isso não, tia, é que agora ele deu pra me culpar por tudo que acontece, seja porque não apóio essas palhaçadas, ou porque não concordo com o que ele acha que eu devo concordar, ou porque não faço as suas vontadezinhas... ele não pode ser contrariado ou criticado nunca, se não ele faz esse show..."

Vendo a tão adorada cunhada chorando, minha filha também choraria e gritaria para o irmão: " Você fez ela chorar, seu chato!"

Para não perder o controle, já perdido, a mãe falaria para a criança: "Você fica quieta que isso não é assunto de criança!" - aumentando a choradeira dela, que soluçaria: "Você ainda briga comigo, em vez de brigar com ele..."

"Tadinha, ela não tem culpa." - diria chorando também a minha nora defendendo a cunhadinha.

"Você acha isso legal, deixar sua namorada e sua irmã nesse estado?! Acorda, cara, olha o que você está fazendo com quem gosta de você...você acha isso certo? Você já é um homem, tem que agir como adulto, tá parecendo até que é da idade da sua irmã..." - falaria a tia chamando a atenção do rebelde.

Observando tudo calado até esse momento, o marido da minha cunhada estrearia na discussão dizendo para a mulher: "Você quer apagar o incêndio com gasolina, faz que nem a mãe dele fala só uma vez e pronto. Pára de se meter no problema dos outros."

Possessa, minha cunhada retrucaria: "Eles não são os outros, são minha família também e eu me meto sempre que eu achar que posso ajudar."

"Assim você só ajuda a piorar as coisas, deixa os pais educarem como acharem que devem." - diria o marido tão estourado quanto à mulher.

"Só que eu  não consigo assistir o circo pegar fogo e ficar quieta. Não tenho sangue de barata. Se minha irmã tem, o problema é dela. ." - diria minha cunhada sem perceber a merda que fez...

"Tava demorando... Você fala isso porque não tem que trabalhar, cuidar da casa, do marido e dos filhos... muito fácil falar dos outros, quero ver ficar um dia no meu lugar..." - se defenderia minha mulher, mais atacando do que se defendendo.

"Tá vendo o que você me faz falar" - disse a cunhada para o marido.

"Que eu te faço falar?! agora a culpa é minha?!"

Então ficaria assim:

Minha mulher discutindo com a irmã; que discutiria  com o marido; as duas e a nora discutindo com meu filho; que discutiria com a namorada e com a irmã; que discutiria com o irmão e a mãe; que se uniria ao cunhado contra a irmã; que mandaria as meninas pararem de chorar, que chorariam mais; que também se uniriam contra a minha cunhada e a minha mulher; que seria reanimada pelos ocupantes da outra mesa depois de passar mal, enquanto meu cunhado discutiria com o mitre que tentava expulsá-los; que discutiria com os seguranças que não conseguiam conter o caos; que discutiriam entre eles; que discutiriam com o delegado, que daria entrevista aos jornais dizendo que:

"Estamos investigando as causas desse crime, que segundo testemunhas, começou com um grupo de baderneiros que provocou um quebra-quebra e logo depois o incêndio. Sim, tudo indica que era um crime
premeditado pelos acusados, que para não levantar suspeitas chegaram a reservar mesas para
um suposto aniversário, mas sem nenhum aniversariante, o que leva a crer que já tinham a intenção de praticar o crime..."

E eu?! Eu estaria no banheiro concentrado para voltar no tempo e optar pelo teatro.




sábado, 10 de novembro de 2012

encontro romântico





Voltando do trabalho outro dia, passei por um botequim pé-sujo que tinha mesas na calçada com alguns bebuns.

Em meio ao calor daquela tarde, à poeira e ao barulho dos automóveis e das pessoas que passavam, observei um casal ao mesmo tempo tão parecidos e tão diferentes, que o destino resolveu colocá-los de frente na mesma mesa, por engano, ou de sacanagem.

Não consegui parar de olhar para o que acontecia lá: a mulher se acomodando na cadeira, meio constrangida, meio irritada e resmungando alguma coisa para o homem à sua frente.

Não por menos, o homem, tinha os olhos fixos nela e a língua para fora da boca mexendo em todas as direções e velocidades, como se tivesse vida própria e quisesse pular da boca do seu dono. Vez por outra, ele a recolhia rapidamente, para evitar a atenção de todos que já olhavam (como eu), mas não resistia e voltava à depravação.

Não sei se tentava impressionar a mulher com sua habilidade linguânica ou se pretendia ofendê-la com seu desrespeito, só sei que era, ao mesmo tempo, engraçado, ridículo, curioso e pornográfico, tudo, menos excitante.

A mulher até que eu conhecia de vista do bairro. Não é nenhum exemplo de pureza, pelo contrário, figurinha carimbada dos pés-sujos da vida, sempre com um copo na mão e alguns palavrões cabeludos proferidos em alto e bom som entre gargalhadas bêbadas,  mas que ainda mantinha uma certa vaidade, talvez da criação abastada que teve, que a fazia estar com roupas limpas e cabelo impecavelmente negro, sem um fio branco sequer, apesar do seus quarenta e poucos anos.

Acredito que não seja casada e não tenha filhos, o que seria o motivo da sua vida boêmia. Não que algum deles, se existisse, a impediria de algo, mas porque a falta deles na sua vida era mais uma das insatisfações que a levava ao bar, além da sua saúde debilitada e de se lamentar de ter trocado sacrifícios necessários, outrora, por diversão. Me parece sempre triste, apesar de estar sempre rindo.

Diferente do cara que estava sentado com ela, que fazia mais o tipo malandro de botequim com palito de dentes no canto da boca, que é fácil imaginá-lo numa roda barulhenta de homens discutindo qualquer assunto, ou rindo escandalosamente, ou metido em alguma briga, ou mandando algum conhecido avisar à sua mulher que ele já está indo pra casa, sem nunca ir,  ou que não o viu... o sujeito que fede a álcool e cigarro, que escarra no chão, que fala cuspindo e tocando nas pessoas e que cambaleia rindo pela madrugada de vez em quando.

Estava vestido com a roupa surrada que trocou para fazer algum trabalho braçal, e a destrocaria para voltar para casa, além do boné que o faz se sentir mais jovem e agir como se assim fosse.

Para ele, o botequim era a melhor parte do dia, era o que compensava o sol forte na cabeça enquanto trabalhava, a falta de dinheiro, de escolaridade, de beleza, de perspectiva...

Enquanto eu terminava de passar pelo botequim, me vi num dilema: continuo caminhando adiante e abandono a vida alheia, ou paro e aguardo o desfecho daquela excentricidade vulgar. Afinal, cenas bizarras como essa, não se vê todos os dias e talvez eu não viva mais para ver algo tão desnatural novamente.

Já estava decidido a ficar e tomar conta da vida deles, quando a mulher, fazendo jus à descrição que eu fiz dela, falou o que todo mundo teve vontade de falar para o taradão.

Não fica bem eu dizer exatamente o que ouvi, mas envolvia língua, ânus, sexualidade, progenitora, prostituição e outras coisas que não se comenta num blog de respeito.

Língua por língua, a dela era bem pior.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Pomada Japonesa





Ontem à tarde, estava tomando café no balcão de uma padaria, quando senti um suave toque no ombro. Foi tão suave, que nem pensei que alguém tivesse me tocado, mas que fosse esses espasmos involuntários que o corpo dá de vez em quando (será que só eu que tenho isso?).

Pois bem, olhei para o lado de onde veio o toque e vi um velhinho japonês rindo para mim e balbuciando alguma coisa.

Não parecia pedinte, estava bem arrumado com sua roupa típica de velhinho, acho que usava até uma boina e tinha um sorriso gostoso de quem tinha uma coisa muito engraçada para falar. Só que ele falava muito baixinho, muito mesmo, então quase grudei meu ouvido na sua boca velha pra ouvir o que ele tinha a dizer.

Não deu pra identificar se falou em português, japonês, se falou mesmo ou se apenas riu. Depois ele parou e ficou me olhando com aquele sorriso, como se esperasse a minha gargalhada no final da piada.

Simpaticamente, pedi que repetisse e cheguei mais perto dele, praticamente o abraçando com meu braço por cima do seu ombro, para ouvi-lo melhor.

Estava me sentindo humano de verdade com aquele gesto, útil, solidário, solícito, achei que fosse receber aplausos de toda a padaria emocionada por ter interagido com tamanha ternura com o bom velhinho japonês.

Fiquei me gabando achando que eu tinha algo especial que fez o senhor simpático me escolher, em meio ao mundo inteiro, para contar algo engraçado.

O coitado ainda tentou continuar, mas foi interrompido por uma senhora pouco mais nova do que ele, também japa, que o afastou de mim dizendo: "O que você está fazendo, papai? Deixa as pessoas em paz. Desculpa moço." E emendou: "Ele tem mania de falar com todo mundo. Me desculpa." - e se virando para o pai, falou: "Papai, deixa o homem comer em paz..."

Fiquei meio decepcionado, pensei que aquele sorriso, aquele interesse, carinho e simpatia fosse porque ele viu em mim uma pessoa confiável, respeitosa, um amigo mesmo...

Qual o quê?! Aquele sorrisão ele já devia ter escancarado para o bairro todo na sua caduquice, e depois de mim, quantos mais ele não irá tocar suavemente no ombro?...

A minha sensação de bem estar foi saindo de mim como gases, me deixando no meu lugar no meio da multidão.

Voltei ao meu café.

Pouco depois o velhinho volta até mim disposto a terminar "nossa conversa", e antes que a filha o puxasse para junto dela, eu o fuzilei com meu olhar de desprezo o recomendando, telepaticamente, que ficasse longe de mim com aquele sorrisinho, pois esse otário aqui, ele não ia mais iludir.

Vovozinhos são todos iguais.

Nada a ver, mas lembrei da pomada japonesa.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

fadados ao fracasso





Ontem quando ia para o trabalho, vi uma barata na calçada desesperada procurando um lugar seguro pra se abrigar.

Estranhei o fato daquele inseto, que normalmente é visto à noite, sair à rua pela manhã no meio da calçada de uma rua pública, onde se transita centenas de pessoas pisadoras de baratas naquele horário.

Daí me passou, em fração de segundos, as seguintes indagações:
- seria essa barata uma irresponsável que perdeu a hora de voltar para casa depois de uma noite de esbórnia em alguma lixeira? 
- ou um adolescente que estava fazendo um rito de passagem onde tinha que enfrentar os riscos de uma rua cheia de gente, para provar sua coragem? 
- talvez estivesse encarando todos os perigos para dar o último adeus a uma amiga, cônjuge ou parente que ficou esmagada em algum lugar daquela caçada? 
- ainda poderia ser uma condenada da justiça baratal sentenciada à morte por sapatos?
- ou o pior: o início de um comportamento novo e crescente entre elas revindicando o mundo acima do esgoto?

Levando em consideração que a barata está neste planeta há mais tempo que muitas criaturas e muito antes do homem, tal comportamento pode ser parte da sua evolução, que assim como o homem evoluiu do macaco, elas poderiam estar caminhando para algo mais completo com inteligência, força e organização.

Numa guerra contra baratas evoluídas, estaríamos fadados ao fracasso, já que o homem não é páreo para um animal que possui 6 membros, 2 antenas, asas, que aguentam fome e sede por semanas, geram milhares de descendentes por ano (apenas uma fêmea), se adaptam aos lugares mais inóspitos, sobrevivem à cataclismas naturais e até bomba atômica.

Seríamos escravizados por elas, obrigados a aprender sua língua, produzir seu alimento, trabalhar em suas obras faraônicas, cuidar da sua higiene, lazer, saúde... ainda seríamos seus animais de estimação e de carga.

Sem inimigos naturais e com ótima qualidade de vida, elas tenderiam a evoluir cada vez mais, vindo até a caminhar sob duas pernas, ser bem maiores que o homem e se organizarem com política, justiça, religião, educação e cultura.

Até o dia em que elas não precisariam mais de nós, e nos caçariam como animais nojentos, comedores de restos, transmissores de doenças, não nos restando outro lugar seguro senão o esgoto.

Então não perca a oportunidade de pisar em toda barata nojenta que encontrar, antes que ela faça isso em você.

E nós nem sabemos andar pelas paredes.



terça-feira, 26 de junho de 2012

oh yeah








Aproveitei as férias para pedalar, que é uma coisa barata, prazerosa e que me faz muito bem.




Apesar do esforço de percorrer a longa distância que estipulei, tenho praticado quase todos os dias, pois a sensação de bem estar que sinto no término do percurso, é indescritível. Além do caminho ser bem arborizado, o clima agradável e paisagens e animais novos a cada dia.


Só não me sinto melhor, porque sempre me assusto com as ultrapassagens humilhantes, dos ciclistas profissionais quando voam por mim com suas bicicletas importadas, trajes, capacetes, óculos e outros acessórios mais caros que a minha própria bicicleta, ou minha própria vida..


Numa dessas manhãs, enquanto remoía minha inveja contra um desses ciclistas perfeitos, que apareceu e desapareceu repentinamente, fui surpreendido por um susto ainda maior que me fez esquecer de vez o ressentimento por eles.




De repente percebi o vulto de um carro preto se aproximando por trás e senti um choque na região do quadril que logo ficou molhado. Na hora pensei que o líquido fosse sangue e o choque, um carro desgovernado, ou um tiro, ou um assalto... ou os três juntos. Nessas horas, só dá pra imaginar desgraça.




Mas o inconfundível cheiro de gema de ovo, esclareceu que se tratava de um bando de babacas de carro que me escolheram como alvo para suas brincadeiras de playboy.




Após me acertarem, gritaram alguma coisa e sumiram.




Passei do susto para o alívio de ter sido só um ovo e não as desgraças da minha cabeça; desse alívio para a raiva dos imbecis que precisavam do sexo oposto com urgência, e da raiva para o prazer de imaginar eles repetindo essa odiosa brincadeira com o ciclista perfeito que me ultrapassou momentos antes.




Com esse último pensamento, pedalei até melhor.




Foi quase uma satisfação sexual.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

os mortos que riram



Sempre tive o maior respeito por velórios e morte. Nessas horas as pessoas expressam emoções e sentimentos tão sinceros, que as fortalecem para a realidade da vida.

Mas mesmo essas situações não estão livres de gafes, umas até dignas de serem contadas nesse blog.

Pois bem:

. Uma amiga me disse que foi ao seu primeiro enterro com seus 18 ou 19 anos e, que nessa época, estava mais interessada em curtir sua juventude, e que nem de longe passava qualquer vestígio relacionado à morte pela sua cabeça avoada.

Foi acompanhar uma parente - não sei se tia ou irmã mais velha - no enterro do patrão, que em vida era um respeitado pai de família e bom patrão. Tão direito que ninguém suspeitava do contrário, até aquele dia.

Minha amiga não estava preparada para tanta emoção e, desabou em lágrimas exageradamente, a ponto de receber condolências como se fosse da família do morto.

Incontrolável como estava, precisou de calmantes e  chegou até a ter princípios de desmaios algumas vezes.

Se tornou o centro das atenções, roubando a cena até mesmo da viúva.

A tal parante, que não lembro se era tia ou irmã mais velha da minha amiga, implorava para ela parar com aquilo, que todos já estavam olhando torto pra ela e comentando que ela devia ser amante do "velho cínico que gostava de ninfetinhas... quem diria!"

A parente da minha amiga, se retirou com ela do velório, antes do enterro propriamente dito. Mas já era tarde, a reputação ilibada do defunto já estava na lama.


. Um dia morreu a mãe de um amigo do meu irmão.

Para dar apoio ao amigo, meu irmão foi ao cemitério, levando com ele um outro amigo em comum deles, conhecidíssimo pelas suas loucuras fora de hora. E aquela foi uma delas.

Enquanto cumprimentava o amigo que perdeu a mãe, meu irmão ficou de costas para o caixão, só vindo a saber o que o amigo maluco estava aprontando pelo outro que ficou de frente e que perguntou sem entender: "Cara, o que você está fazendo?"

Foi então que meu irmão se virou e viu todos os presentes olhando respeitosos o seu amigo maluco, que nunca foi religioso, completamente concentrado, com a mão direita espalmada na testa da defunta, a outra mão estendida  para o céu, de olhos fechados  e balbuciando alguma coisa estranha.

Ao ver a tal "entrega", só restou ao meu irmão correr prendendo a gargalhada para longe da capela.


. Pior do que isso, aconteceu no bairro que meu tio morou e que só tinha figuras alopradas. Uma delas era um sujeito que vivia metido em merda o tempo inteiro, que alguém sempre tinha algum motivo para bater nele, que sua casa era um botequim e o seu dia, era a noite.

Mas, mesmo as más companhias tem más companhias como companhia,  e uma delas veio a morrer, não se sabe se de morte matada ou morrida. O que se sabe é que ao tomar conhecimento do acontecido, o tal vacilão ficou desesperado e, tarde da noite invadiu o cemitério onde o corpo estava sendo velado para o enterro no dia seguinte.

Numa cena memorável, ele invade a primeira capela, se debruça sobre o caixão e grita, em meio ao pranto,  para o corpo no caixão:

_ Por quê, cara? A gente sempre foi parceiro em tudo, já fizemos muita merda juntos,  já fumamos muita maconha juntos, já comemos muita mulher juntos, já cheiramos muito pó juntos... e agora você vai embora, seu filho da puta, por quê??

Enquanto ainda estava debruçado sobre o caixão chorando, alguém, discretamente, cochicha em seu ouvido alguma coisa, que o faz parar o pranto:

_ Ah, não é essa capela não?! Desculpa aí, pessoal.

Vai para a capela ao lado, abandonando o corpo de uma velhinha que ele tinha impregnado com seu bafo de cachaça e uma mistura de lágrima, baba e secreção nasal,  vindo a repetir tudo de novo, mas, pelo menos, para o defunto certo.

Diante dessas loucuras emocionadas, os mortos devem chegar no outro plano "mortos" de rir. Com exceção do velhinho que, graças à minha amiga, deve tentar se explicar em todo centro espírita que consegue baixar.