sábado, 10 de novembro de 2012

encontro romântico





Voltando do trabalho outro dia, passei por um botequim pé-sujo que tinha mesas na calçada com alguns bebuns.

Em meio ao calor daquela tarde, à poeira e ao barulho dos automóveis e das pessoas que passavam, observei um casal ao mesmo tempo tão parecidos e tão diferentes, que o destino resolveu colocá-los de frente na mesma mesa, por engano, ou de sacanagem.

Não consegui parar de olhar para o que acontecia lá: a mulher se acomodando na cadeira, meio constrangida, meio irritada e resmungando alguma coisa para o homem à sua frente.

Não por menos, o homem, tinha os olhos fixos nela e a língua para fora da boca mexendo em todas as direções e velocidades, como se tivesse vida própria e quisesse pular da boca do seu dono. Vez por outra, ele a recolhia rapidamente, para evitar a atenção de todos que já olhavam (como eu), mas não resistia e voltava à depravação.

Não sei se tentava impressionar a mulher com sua habilidade linguânica ou se pretendia ofendê-la com seu desrespeito, só sei que era, ao mesmo tempo, engraçado, ridículo, curioso e pornográfico, tudo, menos excitante.

A mulher até que eu conhecia de vista do bairro. Não é nenhum exemplo de pureza, pelo contrário, figurinha carimbada dos pés-sujos da vida, sempre com um copo na mão e alguns palavrões cabeludos proferidos em alto e bom som entre gargalhadas bêbadas,  mas que ainda mantinha uma certa vaidade, talvez da criação abastada que teve, que a fazia estar com roupas limpas e cabelo impecavelmente negro, sem um fio branco sequer, apesar do seus quarenta e poucos anos.

Acredito que não seja casada e não tenha filhos, o que seria o motivo da sua vida boêmia. Não que algum deles, se existisse, a impediria de algo, mas porque a falta deles na sua vida era mais uma das insatisfações que a levava ao bar, além da sua saúde debilitada e de se lamentar de ter trocado sacrifícios necessários, outrora, por diversão. Me parece sempre triste, apesar de estar sempre rindo.

Diferente do cara que estava sentado com ela, que fazia mais o tipo malandro de botequim com palito de dentes no canto da boca, que é fácil imaginá-lo numa roda barulhenta de homens discutindo qualquer assunto, ou rindo escandalosamente, ou metido em alguma briga, ou mandando algum conhecido avisar à sua mulher que ele já está indo pra casa, sem nunca ir,  ou que não o viu... o sujeito que fede a álcool e cigarro, que escarra no chão, que fala cuspindo e tocando nas pessoas e que cambaleia rindo pela madrugada de vez em quando.

Estava vestido com a roupa surrada que trocou para fazer algum trabalho braçal, e a destrocaria para voltar para casa, além do boné que o faz se sentir mais jovem e agir como se assim fosse.

Para ele, o botequim era a melhor parte do dia, era o que compensava o sol forte na cabeça enquanto trabalhava, a falta de dinheiro, de escolaridade, de beleza, de perspectiva...

Enquanto eu terminava de passar pelo botequim, me vi num dilema: continuo caminhando adiante e abandono a vida alheia, ou paro e aguardo o desfecho daquela excentricidade vulgar. Afinal, cenas bizarras como essa, não se vê todos os dias e talvez eu não viva mais para ver algo tão desnatural novamente.

Já estava decidido a ficar e tomar conta da vida deles, quando a mulher, fazendo jus à descrição que eu fiz dela, falou o que todo mundo teve vontade de falar para o taradão.

Não fica bem eu dizer exatamente o que ouvi, mas envolvia língua, ânus, sexualidade, progenitora, prostituição e outras coisas que não se comenta num blog de respeito.

Língua por língua, a dela era bem pior.