sábado, 15 de dezembro de 2012

caos




No meu aniversário eu tive a opção de comemorar com um jantar em família ou teatro com parte dela.

Preferi a segunda opção, e preferiria qualquer outra que não precisasse juntar todo mundo na mesma mesa.

Não que eu não goste de alguns, pelo contrário, são pessoas que eu queria por perto sempre, mas separados uns dos outros, porque conhecendo a personalidade e temperamento de cada um deles, já sabia que seria um desastre.

Se vingasse o jantar, seria assim:

Iria com minha família - mulher, filha, filho com namorada e minha cunhada com o marido - num  restaurante chique, caro, com comida gostosa e cheia de frescura.

Antes de nos acomodarmos na mesa, eu iria para o banheiro rezar pra dar tudo certo naquela noite, pra ninguém ser ferido, preso ou morto e aproveitar para fazer minhas necessidades fisiológicas.

No caminho para o banheiro já ouviria o décimo: "Pára, chato! Mamãe, aqui ele mexendo comigo. Manda ele parar!" - diria minha filha irritada com o irmão adolescente, sendo adolescente. 

"Deixa ela em paz! Não está vendo que ela não está gostando?" diria impacientemente a namorada do meu filho, a também adolescente.

"Você não acha que já está bem grandinho pra ficar implicando com uma criança 10 anos mais nova que você?!" - diria minha mulher para o filho.

Este, por sua vez, também ficaria irritado e responderia: "Não posso fazer nada com essa garota, que tudo ela reclama, aí fica todo mundo contra mim. Que droga!"

"Ela estava quieta até você começar." - lembraria a mãe.

"Você que é culpada por essa garota ser fresca assim, você mima demais, por qualquer coisinha ela chora..." - diria o rebelde.

A namorada faria coro à sogra: "Se você brincasse direito, sem irritá-la, ela não reclamaria." 

"Você é outra que também nunca me apóia em nada, tá sempre contra mim. Pra você os outros estão sempre certos..."

"Como é que eu posso te apoiar com você fazendo uma palhaçada dessa? Só se eu fosse outra..."

"Outra o quê? Fala que eu sou retardado logo!" - esbravejaria o menino com o cão.

"Gente, pára com isso! Vocês agora vão discutir por causa de uma besteira dessa?" - diria minha cunhada tentando acalmar os ânimos.

"Eu ia dizer outra criança, mas retardado também serve." - e com a voz embargada, a namorada continuaria: "Não é por isso não, tia, é que agora ele deu pra me culpar por tudo que acontece, seja porque não apóio essas palhaçadas, ou porque não concordo com o que ele acha que eu devo concordar, ou porque não faço as suas vontadezinhas... ele não pode ser contrariado ou criticado nunca, se não ele faz esse show..."

Vendo a tão adorada cunhada chorando, minha filha também choraria e gritaria para o irmão: " Você fez ela chorar, seu chato!"

Para não perder o controle, já perdido, a mãe falaria para a criança: "Você fica quieta que isso não é assunto de criança!" - aumentando a choradeira dela, que soluçaria: "Você ainda briga comigo, em vez de brigar com ele..."

"Tadinha, ela não tem culpa." - diria chorando também a minha nora defendendo a cunhadinha.

"Você acha isso legal, deixar sua namorada e sua irmã nesse estado?! Acorda, cara, olha o que você está fazendo com quem gosta de você...você acha isso certo? Você já é um homem, tem que agir como adulto, tá parecendo até que é da idade da sua irmã..." - falaria a tia chamando a atenção do rebelde.

Observando tudo calado até esse momento, o marido da minha cunhada estrearia na discussão dizendo para a mulher: "Você quer apagar o incêndio com gasolina, faz que nem a mãe dele fala só uma vez e pronto. Pára de se meter no problema dos outros."

Possessa, minha cunhada retrucaria: "Eles não são os outros, são minha família também e eu me meto sempre que eu achar que posso ajudar."

"Assim você só ajuda a piorar as coisas, deixa os pais educarem como acharem que devem." - diria o marido tão estourado quanto à mulher.

"Só que eu  não consigo assistir o circo pegar fogo e ficar quieta. Não tenho sangue de barata. Se minha irmã tem, o problema é dela. ." - diria minha cunhada sem perceber a merda que fez...

"Tava demorando... Você fala isso porque não tem que trabalhar, cuidar da casa, do marido e dos filhos... muito fácil falar dos outros, quero ver ficar um dia no meu lugar..." - se defenderia minha mulher, mais atacando do que se defendendo.

"Tá vendo o que você me faz falar" - disse a cunhada para o marido.

"Que eu te faço falar?! agora a culpa é minha?!"

Então ficaria assim:

Minha mulher discutindo com a irmã; que discutiria  com o marido; as duas e a nora discutindo com meu filho; que discutiria com a namorada e com a irmã; que discutiria com o irmão e a mãe; que se uniria ao cunhado contra a irmã; que mandaria as meninas pararem de chorar, que chorariam mais; que também se uniriam contra a minha cunhada e a minha mulher; que seria reanimada pelos ocupantes da outra mesa depois de passar mal, enquanto meu cunhado discutiria com o mitre que tentava expulsá-los; que discutiria com os seguranças que não conseguiam conter o caos; que discutiriam entre eles; que discutiriam com o delegado, que daria entrevista aos jornais dizendo que:

"Estamos investigando as causas desse crime, que segundo testemunhas, começou com um grupo de baderneiros que provocou um quebra-quebra e logo depois o incêndio. Sim, tudo indica que era um crime
premeditado pelos acusados, que para não levantar suspeitas chegaram a reservar mesas para
um suposto aniversário, mas sem nenhum aniversariante, o que leva a crer que já tinham a intenção de praticar o crime..."

E eu?! Eu estaria no banheiro concentrado para voltar no tempo e optar pelo teatro.




sábado, 10 de novembro de 2012

encontro romântico





Voltando do trabalho outro dia, passei por um botequim pé-sujo que tinha mesas na calçada com alguns bebuns.

Em meio ao calor daquela tarde, à poeira e ao barulho dos automóveis e das pessoas que passavam, observei um casal ao mesmo tempo tão parecidos e tão diferentes, que o destino resolveu colocá-los de frente na mesma mesa, por engano, ou de sacanagem.

Não consegui parar de olhar para o que acontecia lá: a mulher se acomodando na cadeira, meio constrangida, meio irritada e resmungando alguma coisa para o homem à sua frente.

Não por menos, o homem, tinha os olhos fixos nela e a língua para fora da boca mexendo em todas as direções e velocidades, como se tivesse vida própria e quisesse pular da boca do seu dono. Vez por outra, ele a recolhia rapidamente, para evitar a atenção de todos que já olhavam (como eu), mas não resistia e voltava à depravação.

Não sei se tentava impressionar a mulher com sua habilidade linguânica ou se pretendia ofendê-la com seu desrespeito, só sei que era, ao mesmo tempo, engraçado, ridículo, curioso e pornográfico, tudo, menos excitante.

A mulher até que eu conhecia de vista do bairro. Não é nenhum exemplo de pureza, pelo contrário, figurinha carimbada dos pés-sujos da vida, sempre com um copo na mão e alguns palavrões cabeludos proferidos em alto e bom som entre gargalhadas bêbadas,  mas que ainda mantinha uma certa vaidade, talvez da criação abastada que teve, que a fazia estar com roupas limpas e cabelo impecavelmente negro, sem um fio branco sequer, apesar do seus quarenta e poucos anos.

Acredito que não seja casada e não tenha filhos, o que seria o motivo da sua vida boêmia. Não que algum deles, se existisse, a impediria de algo, mas porque a falta deles na sua vida era mais uma das insatisfações que a levava ao bar, além da sua saúde debilitada e de se lamentar de ter trocado sacrifícios necessários, outrora, por diversão. Me parece sempre triste, apesar de estar sempre rindo.

Diferente do cara que estava sentado com ela, que fazia mais o tipo malandro de botequim com palito de dentes no canto da boca, que é fácil imaginá-lo numa roda barulhenta de homens discutindo qualquer assunto, ou rindo escandalosamente, ou metido em alguma briga, ou mandando algum conhecido avisar à sua mulher que ele já está indo pra casa, sem nunca ir,  ou que não o viu... o sujeito que fede a álcool e cigarro, que escarra no chão, que fala cuspindo e tocando nas pessoas e que cambaleia rindo pela madrugada de vez em quando.

Estava vestido com a roupa surrada que trocou para fazer algum trabalho braçal, e a destrocaria para voltar para casa, além do boné que o faz se sentir mais jovem e agir como se assim fosse.

Para ele, o botequim era a melhor parte do dia, era o que compensava o sol forte na cabeça enquanto trabalhava, a falta de dinheiro, de escolaridade, de beleza, de perspectiva...

Enquanto eu terminava de passar pelo botequim, me vi num dilema: continuo caminhando adiante e abandono a vida alheia, ou paro e aguardo o desfecho daquela excentricidade vulgar. Afinal, cenas bizarras como essa, não se vê todos os dias e talvez eu não viva mais para ver algo tão desnatural novamente.

Já estava decidido a ficar e tomar conta da vida deles, quando a mulher, fazendo jus à descrição que eu fiz dela, falou o que todo mundo teve vontade de falar para o taradão.

Não fica bem eu dizer exatamente o que ouvi, mas envolvia língua, ânus, sexualidade, progenitora, prostituição e outras coisas que não se comenta num blog de respeito.

Língua por língua, a dela era bem pior.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Pomada Japonesa





Ontem à tarde, estava tomando café no balcão de uma padaria, quando senti um suave toque no ombro. Foi tão suave, que nem pensei que alguém tivesse me tocado, mas que fosse esses espasmos involuntários que o corpo dá de vez em quando (será que só eu que tenho isso?).

Pois bem, olhei para o lado de onde veio o toque e vi um velhinho japonês rindo para mim e balbuciando alguma coisa.

Não parecia pedinte, estava bem arrumado com sua roupa típica de velhinho, acho que usava até uma boina e tinha um sorriso gostoso de quem tinha uma coisa muito engraçada para falar. Só que ele falava muito baixinho, muito mesmo, então quase grudei meu ouvido na sua boca velha pra ouvir o que ele tinha a dizer.

Não deu pra identificar se falou em português, japonês, se falou mesmo ou se apenas riu. Depois ele parou e ficou me olhando com aquele sorriso, como se esperasse a minha gargalhada no final da piada.

Simpaticamente, pedi que repetisse e cheguei mais perto dele, praticamente o abraçando com meu braço por cima do seu ombro, para ouvi-lo melhor.

Estava me sentindo humano de verdade com aquele gesto, útil, solidário, solícito, achei que fosse receber aplausos de toda a padaria emocionada por ter interagido com tamanha ternura com o bom velhinho japonês.

Fiquei me gabando achando que eu tinha algo especial que fez o senhor simpático me escolher, em meio ao mundo inteiro, para contar algo engraçado.

O coitado ainda tentou continuar, mas foi interrompido por uma senhora pouco mais nova do que ele, também japa, que o afastou de mim dizendo: "O que você está fazendo, papai? Deixa as pessoas em paz. Desculpa moço." E emendou: "Ele tem mania de falar com todo mundo. Me desculpa." - e se virando para o pai, falou: "Papai, deixa o homem comer em paz..."

Fiquei meio decepcionado, pensei que aquele sorriso, aquele interesse, carinho e simpatia fosse porque ele viu em mim uma pessoa confiável, respeitosa, um amigo mesmo...

Qual o quê?! Aquele sorrisão ele já devia ter escancarado para o bairro todo na sua caduquice, e depois de mim, quantos mais ele não irá tocar suavemente no ombro?...

A minha sensação de bem estar foi saindo de mim como gases, me deixando no meu lugar no meio da multidão.

Voltei ao meu café.

Pouco depois o velhinho volta até mim disposto a terminar "nossa conversa", e antes que a filha o puxasse para junto dela, eu o fuzilei com meu olhar de desprezo o recomendando, telepaticamente, que ficasse longe de mim com aquele sorrisinho, pois esse otário aqui, ele não ia mais iludir.

Vovozinhos são todos iguais.

Nada a ver, mas lembrei da pomada japonesa.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

fadados ao fracasso





Ontem quando ia para o trabalho, vi uma barata na calçada desesperada procurando um lugar seguro pra se abrigar.

Estranhei o fato daquele inseto, que normalmente é visto à noite, sair à rua pela manhã no meio da calçada de uma rua pública, onde se transita centenas de pessoas pisadoras de baratas naquele horário.

Daí me passou, em fração de segundos, as seguintes indagações:
- seria essa barata uma irresponsável que perdeu a hora de voltar para casa depois de uma noite de esbórnia em alguma lixeira? 
- ou um adolescente que estava fazendo um rito de passagem onde tinha que enfrentar os riscos de uma rua cheia de gente, para provar sua coragem? 
- talvez estivesse encarando todos os perigos para dar o último adeus a uma amiga, cônjuge ou parente que ficou esmagada em algum lugar daquela caçada? 
- ainda poderia ser uma condenada da justiça baratal sentenciada à morte por sapatos?
- ou o pior: o início de um comportamento novo e crescente entre elas revindicando o mundo acima do esgoto?

Levando em consideração que a barata está neste planeta há mais tempo que muitas criaturas e muito antes do homem, tal comportamento pode ser parte da sua evolução, que assim como o homem evoluiu do macaco, elas poderiam estar caminhando para algo mais completo com inteligência, força e organização.

Numa guerra contra baratas evoluídas, estaríamos fadados ao fracasso, já que o homem não é páreo para um animal que possui 6 membros, 2 antenas, asas, que aguentam fome e sede por semanas, geram milhares de descendentes por ano (apenas uma fêmea), se adaptam aos lugares mais inóspitos, sobrevivem à cataclismas naturais e até bomba atômica.

Seríamos escravizados por elas, obrigados a aprender sua língua, produzir seu alimento, trabalhar em suas obras faraônicas, cuidar da sua higiene, lazer, saúde... ainda seríamos seus animais de estimação e de carga.

Sem inimigos naturais e com ótima qualidade de vida, elas tenderiam a evoluir cada vez mais, vindo até a caminhar sob duas pernas, ser bem maiores que o homem e se organizarem com política, justiça, religião, educação e cultura.

Até o dia em que elas não precisariam mais de nós, e nos caçariam como animais nojentos, comedores de restos, transmissores de doenças, não nos restando outro lugar seguro senão o esgoto.

Então não perca a oportunidade de pisar em toda barata nojenta que encontrar, antes que ela faça isso em você.

E nós nem sabemos andar pelas paredes.



terça-feira, 26 de junho de 2012

oh yeah








Aproveitei as férias para pedalar, que é uma coisa barata, prazerosa e que me faz muito bem.




Apesar do esforço de percorrer a longa distância que estipulei, tenho praticado quase todos os dias, pois a sensação de bem estar que sinto no término do percurso, é indescritível. Além do caminho ser bem arborizado, o clima agradável e paisagens e animais novos a cada dia.


Só não me sinto melhor, porque sempre me assusto com as ultrapassagens humilhantes, dos ciclistas profissionais quando voam por mim com suas bicicletas importadas, trajes, capacetes, óculos e outros acessórios mais caros que a minha própria bicicleta, ou minha própria vida..


Numa dessas manhãs, enquanto remoía minha inveja contra um desses ciclistas perfeitos, que apareceu e desapareceu repentinamente, fui surpreendido por um susto ainda maior que me fez esquecer de vez o ressentimento por eles.




De repente percebi o vulto de um carro preto se aproximando por trás e senti um choque na região do quadril que logo ficou molhado. Na hora pensei que o líquido fosse sangue e o choque, um carro desgovernado, ou um tiro, ou um assalto... ou os três juntos. Nessas horas, só dá pra imaginar desgraça.




Mas o inconfundível cheiro de gema de ovo, esclareceu que se tratava de um bando de babacas de carro que me escolheram como alvo para suas brincadeiras de playboy.




Após me acertarem, gritaram alguma coisa e sumiram.




Passei do susto para o alívio de ter sido só um ovo e não as desgraças da minha cabeça; desse alívio para a raiva dos imbecis que precisavam do sexo oposto com urgência, e da raiva para o prazer de imaginar eles repetindo essa odiosa brincadeira com o ciclista perfeito que me ultrapassou momentos antes.




Com esse último pensamento, pedalei até melhor.




Foi quase uma satisfação sexual.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

os mortos que riram



Sempre tive o maior respeito por velórios e morte. Nessas horas as pessoas expressam emoções e sentimentos tão sinceros, que as fortalecem para a realidade da vida.

Mas mesmo essas situações não estão livres de gafes, umas até dignas de serem contadas nesse blog.

Pois bem:

. Uma amiga me disse que foi ao seu primeiro enterro com seus 18 ou 19 anos e, que nessa época, estava mais interessada em curtir sua juventude, e que nem de longe passava qualquer vestígio relacionado à morte pela sua cabeça avoada.

Foi acompanhar uma parente - não sei se tia ou irmã mais velha - no enterro do patrão, que em vida era um respeitado pai de família e bom patrão. Tão direito que ninguém suspeitava do contrário, até aquele dia.

Minha amiga não estava preparada para tanta emoção e, desabou em lágrimas exageradamente, a ponto de receber condolências como se fosse da família do morto.

Incontrolável como estava, precisou de calmantes e  chegou até a ter princípios de desmaios algumas vezes.

Se tornou o centro das atenções, roubando a cena até mesmo da viúva.

A tal parante, que não lembro se era tia ou irmã mais velha da minha amiga, implorava para ela parar com aquilo, que todos já estavam olhando torto pra ela e comentando que ela devia ser amante do "velho cínico que gostava de ninfetinhas... quem diria!"

A parente da minha amiga, se retirou com ela do velório, antes do enterro propriamente dito. Mas já era tarde, a reputação ilibada do defunto já estava na lama.


. Um dia morreu a mãe de um amigo do meu irmão.

Para dar apoio ao amigo, meu irmão foi ao cemitério, levando com ele um outro amigo em comum deles, conhecidíssimo pelas suas loucuras fora de hora. E aquela foi uma delas.

Enquanto cumprimentava o amigo que perdeu a mãe, meu irmão ficou de costas para o caixão, só vindo a saber o que o amigo maluco estava aprontando pelo outro que ficou de frente e que perguntou sem entender: "Cara, o que você está fazendo?"

Foi então que meu irmão se virou e viu todos os presentes olhando respeitosos o seu amigo maluco, que nunca foi religioso, completamente concentrado, com a mão direita espalmada na testa da defunta, a outra mão estendida  para o céu, de olhos fechados  e balbuciando alguma coisa estranha.

Ao ver a tal "entrega", só restou ao meu irmão correr prendendo a gargalhada para longe da capela.


. Pior do que isso, aconteceu no bairro que meu tio morou e que só tinha figuras alopradas. Uma delas era um sujeito que vivia metido em merda o tempo inteiro, que alguém sempre tinha algum motivo para bater nele, que sua casa era um botequim e o seu dia, era a noite.

Mas, mesmo as más companhias tem más companhias como companhia,  e uma delas veio a morrer, não se sabe se de morte matada ou morrida. O que se sabe é que ao tomar conhecimento do acontecido, o tal vacilão ficou desesperado e, tarde da noite invadiu o cemitério onde o corpo estava sendo velado para o enterro no dia seguinte.

Numa cena memorável, ele invade a primeira capela, se debruça sobre o caixão e grita, em meio ao pranto,  para o corpo no caixão:

_ Por quê, cara? A gente sempre foi parceiro em tudo, já fizemos muita merda juntos,  já fumamos muita maconha juntos, já comemos muita mulher juntos, já cheiramos muito pó juntos... e agora você vai embora, seu filho da puta, por quê??

Enquanto ainda estava debruçado sobre o caixão chorando, alguém, discretamente, cochicha em seu ouvido alguma coisa, que o faz parar o pranto:

_ Ah, não é essa capela não?! Desculpa aí, pessoal.

Vai para a capela ao lado, abandonando o corpo de uma velhinha que ele tinha impregnado com seu bafo de cachaça e uma mistura de lágrima, baba e secreção nasal,  vindo a repetir tudo de novo, mas, pelo menos, para o defunto certo.

Diante dessas loucuras emocionadas, os mortos devem chegar no outro plano "mortos" de rir. Com exceção do velhinho que, graças à minha amiga, deve tentar se explicar em todo centro espírita que consegue baixar.


quinta-feira, 31 de maio de 2012

virgem aos 40




Quando eu fiz 5 anos, minha madrinha me deu um relógio de criança com o Dunga da Branca de Neve marcando as horas com os braços. Eu achava o máximo ser criança e ter um relógio que marcava hora de verdade que nem de adulto.

Minha mãe não me deixou usar, porque eu podia quebrá-lo e porque, obviamente, eu não sabia ver as horas naquela idade.

Ele ficou guardado na gaveta de coisas importantes do meu pai por anos, sempre que eu precisava mexer lá por algum motivo e o encontrava, começava o ritual de tirá-lo da caixinha, cheirá-lo, colocá-lo no pulso, e tratá-lo com maior carinho e respeito, afinal era o meu relógio "de verdade" que minha madrinha me deu. 

E foi por causa desse cuidado todo, que naquela idade eu decidi só usá-lo quando tivesse 15 anos que, na cabecinha inocente de quem tem 5, já é um adulto que além de saber ver as horas, já podia usar o relógio sem risco de quebrá-lo.

Quando me dei conta, já tinha os 15 anos e usar aquele reloginho de criança estava fora de questão, acho que nem fechava mais no meu pulso.

Hoje me lembrei dele. 

Se ele ainda existir, acho que vou guarda-lo na minha própria gaveta de coisas importantes, pra quando me reencontrar com ele por acaso, recomeçar o antigo ritual de quando eu era criança, porque hoje eu acho o máximo ser adulto e ter um relógio de criança que marca hora de verdade, que nem de adulto.

terça-feira, 29 de maio de 2012

impossível interromper






Indo para o dentista, por volta das 16:30h, vi um casal se beijando na calçada da movimentada av. Rio Branco, em meio ao caos do centro da cidade naquele horário. Se beijavam tão bonito que desconfiei que pudesse ser uma pegadinha.

Cena digna de novela ou final de filme romântico: casal abraçado, num beijo longo e apaixonado, com os carros passando desfocados no fundo e as pessoas lançando olhares meio indiscretos sobre eles.

Enquanto me distanciava, fiquei pensando que um beijo daquele, com tamanha determinação, não era um cumprimento entre casais, mas dado apenas em momentos especialíssimos, casos de vida ou morte.

Se não fosse pegadinha, talvez seria uma reconciliação de alguma merda que ela fez, e ele passando por cima do seu machismo e orgulho, resolveu perdoá-la naquela hora. Não acho que pudesse ser o contrário, ele ter feito uma merda e ela perdoado, porque elas nunca perdoam completamente, e em vez de beijo apaixonado, eu veria no centro da cidade uma cara fechada, braços cruzados e um severo "que isso não se repita de novo".

Poderia ser também, um pedido de casamento em que ela ficou feliz por ter recebido e ele porque ela aceitou - mas as 16:30h na Rio Branco?? Não que seja impossível, mas muito improvável.

Mais provável que fossem amantes e estavam terminando o relacionamento porque já estavam colocando sentimento demais numa relação que não teria muito futuro. Ou porque estavam dando futuro para a relação que foi promovida a "casamento", num ato corajoso de largarem seus respectivos cônjuges.

Quem sabe ainda, reviviam a paixão inesquecível de outros tempos que, não sei por que cargas dágua, o mesmo destino que os afastou por anos, naquele momento os aproximava mais uma vez.

Pensando nessas possibilidades, cheguei no prédio do meu dentista. Antes de entrar, porém, dei um última olhada para trás e eles ainda se beijavam, num grude que faria muita gente chamar de "pouca vergonha".

Talvez eu tenha acertado o motivo do beijão com uma das minhas suposições, entretanto, certeza mesmo eu só teria se perguntasse direto pra eles.

Mas era impossível interromper aquela "pouca vergonha".




sexta-feira, 18 de maio de 2012

o fim do mundo







Estava pensando no fim do mundo que já tem até data marcada, se não me engano é dia 21/12/2012.

Por mais que se acredite ser outro alarme falso, fica sempre uma expectativa no ar, como aguardar o resultado do exame para aids, mesmo você não sendo do grupo de risco.

 Mas vai que o mundo acaba mesmo. Ainda que seja trágico, é melhor morrer todo mundo junto, do que sozinho ou com meia dúzia de gatos pingados.

Pior sobreviver num mundo semi-destruído. Já estamos acostumados a viver sem saúde, saneamento básico, transporte, alimentação, educação... mas ficar sem internet, televisão, geladeira, ar condicionado, água na descarga... não há sobrevivente que sobreviva.

Se fosse certo do mundo acabar no tal dia marcado, acabariam antes as barreiras que impedem as pessoas de serem ou fazerem o que realmente querem.

Assim, muitas verdades inesperadas seriam ditas, armários inrustidores seriam destroçados, muitos patrões entrariam na porrada, muitos ex-amores ressuscitariam, muitos perdões concedidos e outros retirados, dietas quebradas, religiosos se entregariam ao pecado, pecadores se entregariam às religiões, gente pelada correndo pela rua, amores platônicos revelados, cornos nascendo a cada segundo, promessas não cumpridas teriam seu esperado cumprimento, políticos seriam brutalmente assassinados, sogras também entrariam na porrada...

E no momento em que a onda gigante que vai engolir o Cristo Redentor chegasse, ou o chão abrisse fendas infinitas que engolisse a todos, ou o meteoro se chocasse contra a Terra, ou larvas incandescentes fossem expelidas dos bueiros, ou três godzillas aparecessem, ou o raio que nos parta nos partisse... todos estariam satisfeitos, cantando: "Pode vir quente que eu estou fervendo. Pode vir quente que eu estou fervendo."



quarta-feira, 2 de maio de 2012

a primeira pessoa do mundo







_Papai, quem foi a  primeira pessoa que existiu no mundo?

Pensando numa resposta que satisfizesse uma criança de 6 anos, respondi:

_Foi Adão que Deus fez do barro, que depois deu vida e uma namorada chamada Eva.


_Eva??? que nome feio... nesse tempo já tinha dinossauro?


Antes que eu tentasse responder essa confusa questão, ela me vem com mais esta:


_A tia na escola falou que os homens das cavernas foram as primeiras pessoas do mundo. Foram eles ou foi  Adão? - na cabecinha dela, essa resposta deve ser conhecida por todos os adultos e simples, tipo: "foi fulano."


Procurando uma resposta, lembrei de uma aula de Filosofia, em que o professor dizia que crianças querem só respostas, independente de fazer sentido ou não.


Podia usar essa estratégia e acabar ali o assunto falando que Adão era um homem das cavernas criado por Deus, amigo dos dinossauros e inimigo da serpente, que de vez em quando acertava Eva na cabeça com uma sarrafo e a arrastava pelos cabelos como prova de amor.


Apesar de não ser a verdade, evitaria outras explicações, pois se eu dissesse que foi Adão, fatalmente teria que explicar onde foram parar os homens das cavernas, e se eu dissesse que foram os cavernosos, teria que explicar por que não foi Adão, já que ele foi feito por Deus.


Porém, minha índole não é mentir. Mas dizer pra ela que acredito e desacredito nas duas teorias não mataria sua curiosidade...O correto a fazer era dizer que não sabia, principalmente porque eu não sei mesmo. Mas preferi responder sem responder:


_ Tem gente que acredita que foram os homens das cavernas e outros acreditam que foi Adão.


_ Mas quem foi?


O impasse agora era meu, que me senti pressionado por Deus, como se ele estivesse também querendo saber de que lado eu estava, já que uma teoria anula a outra.


Fica difícil sustentar a história de Adão, com tantas evidências da pré-história nos museus, nas escolas e até nos desenhos que ela assiste com dinossauros em todo lugar. Por outro lado, não posso simplesmente, dizer que Deus não existe, pois perderia o sentido o "Dorme com Deus e sonha com os anjinhos", "Papai do Céu está vendo",  "Vai com Deus" 
e tantas outras frases que envolvem Deus, além de ter que explicar onde as pessoas boas vão morar depois que morrem se não tiver mais Céu. 

Tirar isso dela, mataria a magia, o encanto, e deixaria a vida bem sem graça. Seria como dizer que Papai Noel não existe.

Por fim, pra ficar bem com Deus, com a ciência, minha consciência e minha minha filha, respondi que não sabia quem foi a primeira pessoa do mundo e que ninguém sabe. Aí ela me respondeu que Papai do Céu deve saber.


_ Com certeza.


Pronto, respondido.


sexta-feira, 23 de março de 2012

merda!



 


Um amigo me contou que foi a um open house de um conhecido rico dele que não teve um final muito bom.

Disse que o anfitrião estava superfeliz pela aquisição da casa de três andares, vários cômodos espaçosos, decorada com luxuosa mobília, piscina, churrasqueira e jardim exuberante com design futurista, num condomínio chique e num bairro igualmente chique.

Mais feliz ele estava ainda por poder exibir tudo isso para todos os presentes, entediando cada grupinho de convidados em que parava, contando a origem de cada objeto da decoração, curiosidades,  motivo da escolha e preço. Sem falar nas fotos e souvenirs dos países que conheceu, onde comeu, o que visitou, onde se hospedou e quanto gastou. Quando resolvia impressionar outro grupo, trazia grande alívio ao grupo anterior que era dispensado com um desatento com licença.

Com o decorrer da festa, meu amigo que estava com sua esposa, já cansado de comer canapés sofisticados e beber bebidas caras, precisou ir ao banheiro. E nessas horas, pouco importa se o banheiro possui mármores carrara, porcelanatos de outro planeta, torneiras de ouro, ou se é um banheiro mal cheiroso de botequim.

Porém, como em toda festa, outras pessoas tiveram a mesma idéia ao mesmo tempo, lotando a porta do wc social do living room.   

Mas a sorte do meu amigo mudou quando encontrou no terceiro andar, outra fila menor para o banheiro. E melhorou mais quando duas garotas privilegiadas pela beleza que a idade e o dinheiro davam, ficaram imediatamente atrás dele na fila.

Para parecer um coroa descolado para as meninas, estufou o peito, encolheu a barriga e fez um sorrisinho meio sensual, o que segundo ele, chamou a atenção de uma delas que "não parava de me olhar".

Quando se deu conta, já era a sua vez.

Depois que começou a fazer suas necessidades, lembrou que, fatalmente, deixaria o banheiro com um odor nada agradável para as meninas, e que não adiantaria colocar a culpa em outra pessoa ao sair, pois a fila andou muito rápido, dando a entender que todos na sua frente apenas urinaram.

A única saída que viu era agir rápido para parecer que urinou demoradamente, ou fez o número dois rapidamente, afinal, nesse caso, melhor a dúvida do que a certeza.

Então, pôs o plano em prática fazendo tudo numa velocidade inacreditável. Num salto, já estava vestido, dando descarga e já lavando as mãos. Antes de sair porém, resolveu se certificar do sucesso do seu plano e abriu a tampa do vaso. Merda! Tinha uma teimosa que não acompanhou as amigas.

Insistiu em dar outra descarga, mas a caixa acoplada demorava a encher... "e aquele anfitrião filho da puta se gabando de ter tudo do bom e do melhor e com essa merda de descarga."

Quando finalmente a caixa acoplada encheu, deu outra descarga, mas ela continuava lá. Repetiu a operação de novo, de novo e de novo... mas ela ainda continuava lá.

Pensou em sair do banheiro e deixar aquele problema para o próximo resolver, mas os próximos seriam as meninas bizzarramente lindas, que nunca fizeram coco, ou tiveram meleca, remela ou suor. Não, não podia, de jeito nenhum...

Nessa altura, constatou que as meninas já sabiam que ele não estava apenas urinando. Imaginou elas entrando no banheiro, abrindo a tampa do vaso e dando de cara com aquela merda, sabendo que ele quem fez, que saiu dele... Sentiu um pânico carregado de vergonha e raiva que lhe fez chorar sentado na privada esperando mais uma vez a porra da caixa encher.

O som da água enchendo a descarga parou. Meu amigo levantou-se da privada, liberou a água da caixa e ficou acompanhando, esperançoso, o seu excremento lutando para não sumir no rodamoinho barulhento... expectativa...no fim, lá estava ela rindo dele, zombando dele, mostrando que ela conseguia envergonhá-lo, sua própria merda...

Num surto psicótico, ele deu um grito assustador de desespero, que certamente foi ouvido pelas meninas do lado de fora, agarrou a merda na mão, estendeu o braço, para fora do basculante com vista para o mar, e a soltou.

Depois de se recompor, acalmou a respiração, lavou as mãos, enxugou o suor da testa e saiu do banheiro sem olhar para os lados, sabendo que todos o fitavam perplexos com a gritaria que fez, mas sem nada questionar.

Ao descer encontrou os convidados agitados num burburinho, e sua mulher veio ao seu encontro com os olhos arregalados tentando explicar o que aconteceu, quando foi interrompida pelo próprio anfitrião que passou por eles chorando, amparado por outras pessoas, sujo de coco na cabeça e na camisa branca de grife, gritando: "Eu só chamei amigos para dividir comigo minha felicidade, e olha o que fizeram, meu Deus..."

Disse ele que, mesmo diante do mal estar que se formou, riu descontroladamente, e ri de chorar sempre que conta isso pra alguém.

terça-feira, 6 de março de 2012

feitos pra andar


Sempre achei voar o máximo.

Tenho inveja dos urubus e gaivotas que voam imponentes lá no alto, vendo tudo a seus pés e o infinito acima deles, não se importando com altura, com distância, alheios ao caos do mundo dos que pisam nesse chão. Fico imaginando a delícia de sensação  de dar uns rasantes, ter o céu inteiro para explorar, voar rápido, devagar, planar, chegar em locais que ninguém jamais vai chegar de outra forma.

Mas não me agrada a idéia de ter asas que nem os anjos porque seria bem incômodo esbarrá-las em todo lugar, fazer um buraco para elas nas camisas, jaquetas e cia., soltar pena, tomar cuidado pra não quebrá-las, queimá-las, sujá-las, dormir com aquelas porras nas costas então...

As asas dos morcegos são menos incômodas, já que não ficam nas costas, porém perderíamos as mãos, pois, pra quem não sabe, a asa é um prolongamento dos braços e dedos do animal.

Já asas de insetos que se recolhem, como os besouros, são mais úteis, entretanto voar com 4 asas batendo milhares de vezes por minuto me passa um desgaste, um cansaço só de pensar, seria mais um vôo apressado, nervoso, tenso, sem prazer, sem poesia... uma merda, melhor rastejar.

Voar sem asas pode ser a solução, mas que nem o super-homem com os braços estendidos pra frente e uma perna ligeiramente flexionada, nunca me encantou, aliás qual a razão dessa pose? Muito artificial.

Tem também o voo dos fantasmas, que, diferente do super-homem, é mais natural, com mais leveza, porém sem controle, limitado e fantasmagórico (obviamente), lembrando mais um saco plástico impulsionado pela brisa.

Peter Pan estaria mais próximo do que imagino, se não fosse a indiferença dele quando voa, como se fosse fácil e sem importância. Banal como piscar os olhos.

O ideal, pra mim, é que seja um vôo parecido com o nadar das arraias e das tartarugas,  com menos resistência, menos atrito, deslizando mais, para se ter toda liberdade no ar para mergulhar, girar, dar cambalhotas, subir, descer, ficar de costas, de cabeça para baixo... teria que ser antes de tudo, um lazer.

Pra isso, a gravidade não poderia ser tão severa, aliás, que exagero esse rigor  pra manter as coisas no chão, como se tudo quisesse fugir do planeta na primeira oportunidade. A gravidade poderia ser mais light deixando as coisas como que em slow motion, sem pressa, possibilitando admirar a beleza de qualquer coisa que caia, quebre e exploda.

Complicados que somos, trocaríamos os nossos vôos pessoais por uma carona em algum avião, usando como desculpa o cabelo que ficaria desarrumado com a velocidade, ou o frio que faz em algumas altitudes, ou os insetos que se esborracham na nossa cara, ou a mesma preguiça que nos impede de caminhar hoje em dia.

Aí voar já não seria liberdade, mas retrocesso, algo primitivo e antiestético, e voltaríamos a andar, pois pra isso que fomos feitos.

Nos restando apenas admirar os urubus e gaivotas, que despretensiosamente, dão um show.