quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

365 dias


Estava tentando escrever este post sobre o ano que passou, quando minha filha me interrompeu perguntando se podia gritar uma coisa da janela.

Ela sabe que não é hora de estar acordada, muito menos de gritar pela janela, mas pra não me desconcentrar disse que sim, sem tirar os olhos do monitor. - sou pai, puxa!

Com o fôlego preparado, pronta para soltar a voz, ela aborta a missão para perguntar: "Posso mesmo?

Seria inútil escrever com ela por perto, então voltei a atenção para a pergunta, que tinha uma certa  transgressão no ar, não só pelo horário, mas pelo que seria comunicado janela à fora.

Sei que nada justifica uma criança de 5 anos ficar gritando pela janela tarde da noite, mas pior seria se fizesse isso gritando alguma coisa que eu fosse me arrepender de ter autorizado.

Perguntei, então, o que ela pretendia gritar e ela me respondeu que era uma frase que acabara  de ouvir na tv.

Essa frase resumia o que eu ia escrever sobre a expectativa do ano novo,  retrospectiva do que passou, ano bom ou ruim, baseado no balanço dos acontecimentos, as metas a serem alcançadas no ano que está chegando...

Sobre isso, três coisas são certas:

.é certo que nos últimos 365 dias vivemos emoções produzidas por vários acontecimentos, e tantas outras serão produzidas pelos acontecimentos dos próximos 365 dias que virão;

.é certo também, que mesmo após os 365 dias passados, não aprendemos que não podemos ter o controle dos próximos 365 dias e

.como também é certo que as realizações dos desejos não é certa, mas podemos desejar para os próximos 365.

Eu desejo que os acontecimentos nesses dias tragam emoções boas e felizes, e mesmo as não tão boas venham nos ensinar, nos fortalecer, nos revigorar não só para o restante dos 365 dias, como para toda a vida. É o que desejo pra mim e pra você.

Então minha filha gritou satisfeita da janela da sala: "Adeus ano velho, feliz ano novo!"

Só não sei se os vizinhos ficaram satisfeitos assim.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

só se for para enlouquecer







Um tempo atrás, voltava com meu enteado e um amigo não tão próximo dele, ambos por volta de 10 anos na época, de um lugar que eu não me lembro agora, e enquanto caminhávamos, me perguntaram o que era um corno.


Certamente deviam ter ouvido alguém ser chamado assim e não sabiam se era uma coisa ofensiva ou engraçada, já que, dependendo da situação, poderia ser uma ou outra, ou até as duas ao mesmo tempo.


Fiquei sem saber direito o que responder, porque achava que eles não precisavam ter contato tão cedo com assuntos de adultos e se decepcionar com as contradições do mundo de gente grande. 


Respondi de forma mais simples possível para crianças de 10 anos entender e para o assunto não render muito: 
_ Corno é um homem traído.
_ Traído pela mulher dele?
_ E por que que se traí?
_ Por um monte de razões, mas geralmente é porque gosta mais do que encontra em uma pessoa do que na outra.
_ Podiam, então, terminar com uma e casar com a outra.
_ É, podiam.
_ E por que não fazem isso?
_ Ás vezes até fazem, mas nem sempre.
_ Deve ser porque ter duas é melhor do que uma. - respondeu um dos moleques achando isso uma vantagem.
_ Só se for para enlouquecer. - pensei alto.
_ Enlouquecer por quê?
_ Porque aturar uma pessoa  já é difícil, quanto mais duas. Sem falar no trabalho pra esconder a traição.
_ Mas então, por que que se casam se é difícil aturar outra pessoa?
_ E por que traem, se dá trabalho trair?
_ Sei lá, pô! Tem gente que prefere correr o risco.
_ Você já foi corno?
_ Que eu saiba, não.
_ Mas se quem trai esconde que trai, e ninguém nunca te falou que você foi corno, então você pode ter sido também.
_ É... por isso que eu disse: "QUE EU SAIBA, NÃO."
_ E já traiu?
_ Quando era adolescente já. Não tinha muita maturidade...
_ E quando a pessoa trai não sendo mais adolescente?
_ É porque continua sem maturidade.


E a cada pergunta que eu respondia, gerava outras cada vez mais imperguntáveis, como as clássicas: "O que você faria se soubesse que é corno?"; "Se uma mulher toda boa quisesse ser sua amante, você trairia a sua mulher?"; "Você contaria pra algum corno que ele é corno?"; "O que você faria se quem te corneasse fosse o seu melhor amigo?";  "Você continuaria com uma pessoa mesmo sabendo que ela já te traiu?" ...


A palavra "corno" se repetindo a cada 5 segundos por 20 minutos dá uma irritação na testa mesmo de quem não é corno (ou pelo menos acha que não é) então encerrei o assunto:


_ Chega, pessoal! Já respondi o que era um corno, agora vamos mudar de assunto. 


Longe de cooperar, o amigo do meu filho apelou com uma revelação bombástica:
_ O meu pai é corno.
_ Que isso, garoto, ficou maluco? De onde você tirou isso? - perguntei querendo e não querendo saber.
_ A minha mãe já falou na cara dele.
_ Agora chega! Esse assunto acabou.
_ Mas é sério, teve uma vez...
_ Acabou, porra!



sábado, 17 de dezembro de 2011

carnaval esquecível



                  


Nos meus tempos de solteiro, fui uma vez passar o carnaval com uns amigos numa cidade que,  nesta época, virava  uma espécie de Salvador por causa da animação dos trios elétricos, blocos e muita azaração.

Ficamos na casa dos familiares de um dos amigos, que não se importavam com a bagunça que fazíamos, pelo contrário, parecia que casa cheia e barulhenta era o combustível da alegria deles.

Como em todo carnaval, tivemos muitos momentos engraçados e tensos, protagonizados por mulheres ciumentas, bêbados que não sabiam beber, gente que acordava totalmente pintada, histórias de pegações frustradas, e tantas outras que renderiam felizes lembranças se não fosse por um mancha irremovível.

Ocorreu um fato neste carnaval, que tacitamente, todos concordamos em não comentar enquanto vivêssemos. Porém, como a maioria não se vê há anos, e muitos perderam contato completamente, tomei coragem para quebrar o silêncio.

Teve um bloco das piranhas, no qual todos participamos vestidos a caráter e engrossando a massa suada, alcoolizada e ridiculamente engraçada.

Como se não bastasse um bando de homens se esforçando - outros nem se esforçavam tanto, já tinham um dom natural - para imitar mulher, tinha outras excentricidades, tais como fantasias de baianas, ou peitos e bundas de plástico vagabundo, biquinis fio-dental e tantas outras fruto da criatividade dos foliões. 

O mais ousado era um magricelo que vestia uma mini-saia com um mecanismo que ao levantar a saia, apresentava um pênis enorme por baixo feito de papelão, pintado precariamente e mal acabado, o que arrancava muitas gargalhadas do público.

Mas essa não foi a reação da então namorada de um dos amigos que estava por lá: ciumenta a ponto de estar grudada ao namorado até no meio do bloco, ela o largou ao ver aquele falo mal feito.

Em vez de gargalhar como todos, ela fixou seriamente um olhar estranho, hesitou por um tempo, e terminou por agarrá-lo fortemente.

Claro ficou naquele momento, que ela não havia feito o que fez como forma de recriminação por ofensa à moral e aos bons costumes, ao contrário, o que a levou aquele extremo era tão primitivo, que era anterior ao senso de pudor ou moral que hoje temos. Era mais uma demonstração do instinto atropelando valores e conceitos.

A impressão que eu tive foi que, abruptamente, a bateria se calou junto com as pessoas e, todo o planeta silenciou boquiaberto diante daquelas mãos famintas, agarradas animalescamente ao pênis de papelão do rapaz, devassado na sua dignidade.

Um mal estar tomou conta de todos: do namorado dela, do dono do pau, de quem presenciou aquele impulso e dela mesma após se recuperar da  irresistível excitação do momento.

Ninguém nunca comentou sobre o ocorrido, acho que nem o namorado cobrou alguma explicação e até nos esforçamos para nem lembrar daquela cena carregada de constrangimento.

E assim, nosso carnaval foi jogado nas profundezas do esquecimento até esse momento.



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

vovó guerreira

A avó de um amigo, nos seus quase 80 anos ou mais, fez uma coisa que eu nunca imaginaria que alguém nessa idade faria.

Não me lembro se meu amigo quando contou, falou se era manhã, tarde ou noite, quando apareceu uma ratazana na casa dela levando o terror para as mulheres daquela família que gritavam como loucas.

A confusão acabou acordando a pobre idosa que cochilava numa poltrona na varanda. Assustada,  perguntou o que estava acontecendo e lhe contaram que uma ratazana do tamanho de um gato estava dentro de casa correndo de um lado para o outro.

Instantaneamente - até hoje eu tento imaginar e não consigo - a frágil vovó que não ouvia direito, nem enxergava mais como antigamente, que tinha rugas no rostinho curtido pela idade, que se movia lentamente e com dores nas juntas, mudou a expressão de vovó dependente dos parantes, para a matriarca que fora um dia e, num salto, se pôs em pé como o Superman naquela pose de mãos na cintura e a capa tremulando ao vento, e perguntou: "Cadê ela?"

Alguém apontou para o banheiro.

A guerreira anciã, sem desviar os olhos do cômodo onde a indesejada visita estava, pegou sua perna de três que era usada para reforçar as portas das casas antigas, e falou com ar de Charles Bronson: "Deixa ela comigo".

Ignorando as netas e filhas que se jogavam em seu caminho implorando para ela não cometer aquela insanidade, ela entra no banheiro, olha uma última vez para a plateia, antes do combate e tranca a porta.

Os próximos momentos, foi puro suspense, começando por um breve silêncio, seguido por sons de passos arrastados e lentos, interrompidos bruscamente por coisas caindo,  se quebrando, vidros e louças se estilhaçando, porrada seca na parede, grunhidos, tanto da velha como do roedor... e por fim mais silêncio.

Do lado de fora, as mulheres se abraçavam chorando, temendo o pior. No entanto, as mais descontroladas que choravam mais alto ou chamavam "mãe" ou "vó", eram advertidas com gestos impacientes para que fizessem silêncio, pelas outras que não desviavam a atenção daquela porta.

De repente ela se abre, e lá de dentro sai a avó do meu amigo meio despenteada e ofegante, que pára na porta, olha para as mulheres e fala: "Pode tirar o corpo", voltando para sua poltrona enquanto arrumava o cabelo.

E quando perguntei por que aquele viadinho do meu amigo, pelo menos, não ajudou a avó a dar um fim no rato, ele respondeu: "Minha avó é da roça."




sábado, 10 de dezembro de 2011

falando com o Roberto




Um dia desses vi uma mulher falando sozinha.

Claro que já me deparei com milhares de pessoas falando sozinhas antes, afinal tem gente que fala sozinha por mania, por problemas psiquiátricos, psicológicos, espirituais, vontade de aparecer, aposta...às vezes até eu me flagro falando com o Roberto - é o que respondo para quem me pergunta se estou falando sozinho.

Porém, ela me chamou a atenção porque acho que ninguém percebeu que aquela senhora com duas pesadas bolsas de compras, uma em cada mão, caminhando lentamente rua a fora, conversava "naturalmente" sozinha, sem celular, sem fones de ouvidos ou headset... absolutamente sozinha.

Apesar de magoada, tinha a voz tranquila e segura, confiante da sua razão, interrompida pelos intervalos na respiração meio sufocada com o peso das bolsas e da idade.

Isso aconteceu quando eu passeava com o meu cachorro, que entre um xixi e outro, parou num poste próximo dela. Fiquei tão impressionado quando vi que ela não falava no celular, que o cachorro me puxava pra continuar o passeio e eu empacado, acompanhando com os olhos a mulher no seu monólogo.

Na sua ladainha ela reclamava do comportamento de alguém que não trabalhava, que não ajudava em nada, e que ainda por cima era muito mal agradecido... Entretanto, essa pessoa estava redondamente enganada se achava que seria sustentada para sempre, porque ela não era palhaça... Não sei se falava do marido, do filho, de outro parente, do passado, da novela, do trabalho, do cachorro ou de algum blog dela, mas estava desabafando.

Depois dessa mulher, mudei meu ponto de vista a respeito de quem fala sozinho, pois só vi vantagens:

1 - É melhor do que falar no celular, porque não vai depender de crédito de operadora, nem se aborrecer com mensagens de fora de área ou desligado, de sinal de ocupado, ou de toques intermináveis sem ninguém atender, não vai precisar se identificar, deixar recado e nem vai correr o risco de alguém bater o telefone na sua cara;

2 - Não precisa de outro ser humano pra discordar de você , ou fazer fofoca sobre o assunto, ou rir às escondidas, ou julgá-lo, ou não entendê-lo, ou ainda, na pior das hipóteses, até suborná-lo, nunca se sabe;

3 - Não vai precisar guardar consigo seus problemas, suas queixas, suas angústias e mazelas, mas se ouvindo passa a refletir, economizando assim, em terapia e evitando mais problemas de saúde;

4 - Na maioria das vezes, não vai causar estranheza, porque falar sozinho é facilmente confundido com falar ao celular e

5 - Nas vezes em que causar estranheza e te julgarem como louco, pelo menos você sabe que está falando como louco para não ficar louco.

sábado, 3 de dezembro de 2011

coincidências



Não existe nada mais louco do que uma inexplicável coincidência.
Se o mundo não faz sentido, a coincidência está no lugar certo, porque faz menos ainda.
Ela simplesmente acontece sem precisar de explicação ou algo que a justifique, não respeitando tempo, circunstância, distância, dificuldade... ela apenas acontece quando se menos espera.

A melhor que me aconteceu, ocorreu na época que eu tive moto: percebi que o farol da moto estava apagado enquanto trafegava por um túnel e, fui acendê-lo. Porém, no momento em que eu acionei o interruptor da moto - acho que o nome é esse - para acendê-lo, coincidentemente, todo o túnel ficou sem luz.
Instintivamente pensei: "caralho, fiz alguma merda", enquanto, tentava em vão ligar e desligar o tal interruptor na esperança de reacender o túnel.

A mais bizarra que eu me lembro, graças a Deus não aconteceu comigo, mas com um amigo que querendo esticar o horário de almoço, pediu que os seus colegas avisassem no seu trabalho a quem perguntasse,  que ele fora atropelado quando voltava. E surpreendentemente (e por coincidência) o infeliz foi mesmo atropelado quando voltava para o trabalho.

Coincidência todo mundo tem uma pra contar, até porque elas são mais comuns do que parece. Às vezes é uma pessoa que chega ou liga, no momento que se fala dela, outras vezes é ter em dinheiro exatamente a quantia que se precisa para comprar o que se quer, ou encontrar alguém em uma festa com a roupa igual a sua, e tantas outras felizes, catastróficas, insignificantes e esquisitas coincidências.  

Há quem diga que ela é uma prova da existência do destino e de  Deus, anulando o simples acaso. Ao mesmo tempo, que prova para outros a existência apenas do simples acaso, anulando destino e Deus.

Independente do que ela prova, é um fenômeno que não é exclusivo do ser humano, mas que vai muito mais além, englobando desde minúsculas partículas de qualquer coisa até galáxias desconhecidas, formadas, coincidentemente, por condições ideais.

Mas para driblar a toda-poderosa coincidência da vida, escrevi essas coisas, não por acaso, mas consciente que é para você ler.

Talvez seja o destino, ou Deus ou a falta do que fazer mesmo.